sexta-feira, 21 de setembro de 2018


Ser gaúcho, ser rio-grandense 

Há muito tempo perguntamos o que é ser gaúcho. A resposta não é fácil e, em certo sentido, dá para dizer que é quase impossível. A própria palavra gaúcho não tem origem etimológica definida. A origem do "gaúcho", habitante de vários países, de vários pampas, que fala várias línguas, que usa diversas vestimentas e porta objetos diversos como armas e violões, andando a cavalo ou a pé, não está, ao que se saiba, totalmente esclarecida. 

Depois de mais de dois séculos de aparecimento, na literatura, na história, na sociologia e na antropologia, o gaúcho se tornou um de nossos mitos sagrados, com críticas, elogios, dúvidas, certezas e porteiras abertas para o infinito. La pampa es un cielo al revés, poetizou o eterno Atahualpa Yupanqui. O grande escritor argentino Jorge Luís Borges escreveu que ser gaúcho é destino. 

Há quem diga que ser gaúcho é uma dádiva, um orgulho e que nossas façanhas devem ser globalizadas. Somos os únicos gaúchos, opa, brasileiros, que cantam com brio seu hino. Entre os ventos que nos chicoteiam no inverno, em meio às chuvas e à estética do frio, e entre as flores, frutos, pássaros e calores do verão e da primavera, somos viventes que ganham, perdem, empatam, digladiam, discutem, fazem as pazes e tocam a existência adiante, nessa querência amada. 

Ano passado, o embaixador jubilado e historiador Fernando Cacciatore, com seu livro A origem do gaúcho e outros ensaios (Editora Buenas Ideias, 130 páginas) lançou novas luzes iluministas sobre o tema. Com independência, liberdade de pensamento e cultura, Cacciatore enfrenta ideias estabelecidas e trata da hegemonia dos escritores do Nordeste brasileiro e do Prata sobre a questão. É boa contribuição para melhor conhecermos o passado e para poder projetar nossos passos futuros. 

Estamos em plena Semana Farroupilha, momento especial de primeira para reverenciar nossos antepassados e nossas tradições, momento de lembrar com carinho o mestre Paixão Côrtes, homem bom, que deve ter sido muito bem recebido pelo patrão lá de riba. Paixão, por certo, está proseando e mateando com o Glaucus Saraiva, o Barbosa Lessa e outros luminares que nos deram tanto, pedindo apenas que tivéssemos amor por nossas origens e por nosso chão. Há formas de contar história e formas de fazer história. É bom que tenhamos visões variadas, pontos de vista diferentes e que possamos, ao mesmo tempo, reverenciar o passado, criticá-lo quando for o caso e seguir adiante melhores. 

Desde os primeiros gaúchos, sem paradeiro, com hábitos por vezes selvagens, até nossos gaúchos fixados nos campos e nas cidades, portando iPhones e tablets enquanto cavalgam, o caminho foi bem longo e trabalhoso. Viemos de longe, há séculos. Tomara que a gente possa ir longe, claro que sempre voltando para os campos e as serras deste nosso amado berço, chão e túmulo. 

A propósito... 

Ser gaúcho não é apenas ser pampeano. Ser gaúcho é ser rio-grandense. Somos um rico mosaico de etnias e culturas. Somos descendentes de índios, negros e europeus, somos Chuí, Bagé, Porto Alegre, Torres, Iraí e mais 492 municípios. A mesclagem produziu as mulheres mais bonitas e inteligentes do planeta. Nossa rivalidade Grenal em várias áreas nos divide e, aí, brigamos. 

E então os de fora levam vantagem. Sonhei com a Festa Rio-Grandense. Todos juntos, pensando que campos, serras e o Rio Grande são maiores do que nós. Churrasco, salsichão, galeto, quibe, bacalhau, paella, feijoada, frango xadrez, polenta, charque, tainha, ambrosia, sagu, chimarrão, cachaça, cerveja e vinho. Todos abraçados cantando o Hino Rio-Grandense e pensando que a vida é a arte do encontro.  - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/09/649101-o-marxismo-ocidental.html)