quinta-feira, 20 de setembro de 2018


20 DE SETEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Força estranha


Quando era pequeno, ainda na 4ª ou na 5ª série do primário, o ecologista José Lutzenberger foi fazer uma palestra na minha classe. Nossa! Foi um assombro. Na época, ninguém sabia bem o que era ecologia, o grande projeto da nação era derrubar todas aquelas árvores inúteis da Amazônia para transformar o Brasil numa superpotência agrícola. A estrada transamazônica, a ferrovia Madeira-Mamoré e o Projeto Jari pareciam ótimas ideias.

Quando Lutzenberger começou a falar, fiquei como que hipnotizado. Nunca tinha visto alguém se expressar com tanta veemência, tanta paixão e, ao mesmo tempo, com tanta coerência sobre qualquer assunto. Lutzenberger despejava informações espantosas com uma vivacidade e uma cor que me fascinaram. Não lembro exatamente o que ele falou, mas lembro como ele falou.

Acho que foi a partir daquele dia que professores do meu colégio, o Costinha, decidiram fundar uma Guarda Florestal no nosso bairro, o Parque Minuano. A Guarda era formada por alunos. Nossa missão era plantar árvores e cuidar da natureza da pequena comunidade que nos abrigava.

Tenho até hoje fotos em que apareço com o boné da Guarda Florestal enterrado na cabeça. Publico um dia, se você quiser.

Chegou um momento, porém, em que desisti da nobre missão de proteger a natureza como guarda florestal. Foi quando percebi que meus colegas estavam levando aquilo muito a sério. Não era só mais algo legal a se fazer, era algo que os outros (os meus colegas) achavam que tínhamos de fazer.

Naquele tempo, não sabia intelectualmente por que havia caído fora da tão simpática Guarda Florestal. Hoje, sei. Não suporto nada que seja minimamente parecido com um dogma. Virou bandeira, virou motivo de vida, estou fora. Não que não respeite determinadas causas. É que prezo, muito mais, a minha individualidade. Quero tomar decisões de acordo com minha consciência, não de acordo com consciências alheias ou com qualquer pensamento estabelecido a priori.

Lembro que, durante a faculdade, cheguei a frequentar algumas reuniões de grupos políticos. Para o jovem, isso é importante, porque ele se torna membro de uma coletividade, ele faz parte de uma turma, e o jovem precisa da turma. Mas não tinha como não achar ridícula toda aquela doutrinação, aquelas palavras de ordem, aquela pretensão de superioridade moral.

De fato, grande parte das desgraças da humanidade nasceu de dogmas, sobretudo os de natureza política e religiosa. Nada matou, torturou e perseguiu mais gente, na história do mundo, do que ideologias e religiões.

Trazendo aqui, para o nosso mundinho, estremeço ao pensar que o Brasil está, cada vez mais, tomado por dogmas e crenças. Cada vez mais os brasileiros guiam suas vidas por uma causa. Essa forma de agir desumaniza as pessoas, porque, por um ideal, o sujeito se acha no direito de ofender, agredir, às vezes matar.

O Brasil regrediu. O Brasil involuiu. O Brasil desaprendeu aquilo que uma vez cantou Caetano: que a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.

DAVID COIMBRA