sábado, 18 de janeiro de 2020



18 DE JANEIRO DE 2020
CARPINEJAR

Votos de casamento

Há uma expectativa exagerada nos votos de casamento, como se o destino da relação dependesse da força arrebatadora de um discurso, como se o amor pudesse ser avaliado pelas metáforas.

O noivo e a noiva sofrem com a idealização. Não basta ser sincero, tem que encantar. Espera-se que Shakespeare suba de repente das cordas vocais, que Goethe baixe generosamente no altar.

Vive-se o constrangimento de precisar descrever em palavras todo o sentimento por alguém, tarefa que não é fácil sequer para poetas veteranos.

Os convidados do casamento esperam a justificativa do sim, não somente o sim, a explicação do sim, não se bastam com o sim.

Casar torna-se um teste oral diante da família e dos amigos.

O casal é forçado à missão de descrever em poucos minutos a sua história, ser engraçado e lírico ao mesmo tempo, arrancar lágrimas e risadas de lembranças especiais e marcantes e comover quem testemunhou a evolução do romance. Os dois são postos na tribuna, nos holofotes da igreja, para serem julgados pelas suas lábias.

Mas nem todo mundo sabe falar bem. Nem todo mundo tem o talento da oratória. Força-se uma situação desnecessária, criando equívocos e preconceitos, ainda mais num momento de nervosismo e tradicional gagueira.

Aqueles que não escrevem, que não contam com uma biblioteca na memória, que não desenvolveram a sedução verbal, que não partilham da rotina de se expressar também amam. E amam sinceramente, muito além das frases de efeito.

Não merecem essa tortura e humilhação pública. Talvez seja difícil para eles fundamentar a escolha. Mas os seus murmúrios monossilábicos apresentam uma avassaladora sinceridade. Não mentem com promessas. Não se alongam em floreios e digressões. São diretos e, nem por isso, menos profundos.

Não duvide das intenções de quem é direto e prático. Existe um concurso literário que não prova nada, que não determinará o quanto se gosta do outro. Até porque as mentiras são bonitas, e a verdade costuma ser discreta.

Não se fie nos votos do casamento, não espere a nebulização de versos, às vezes amar é tão natural quanto o ar que se respira.

As palavras devem ser quentes e verdadeiras como um beijo, não as melhores, porém as que realmente os noivos acreditam.

Dizer o eu te amo já é mais do que suficiente para honrar o comprometimento.

CARPINEJAR

Nenhum comentário:

Postar um comentário