quinta-feira, 16 de janeiro de 2020


16 DE JANEIRO DE 2020
DIÁRIOS DO MUNDO

Por que gastar US$ 99 milhões na Antártica?


Oito anos após o incêndio na Estação Científica Comandante Ferraz, o Brasil inaugura o novo complexo de pesquisas no continente gelado, reafirmando sua intenção de manter voz ativa no regime internacional que rege as relações entre os países na região, o Tratado Antártico. A um custo de R$ 99,6 milhões, a reconstrução da estrutura (foto) marca nova fase da presença brasileira no continente, depois que o antigo complexo, de 1984, foi destruído pelo fogo em fevereiro de 2012.

Mas por que o Brasil investiu tanto dinheiro na obra? É conhecida a importância científica do continente - berço de espécies que podem ajudar o ser humano a encontrar a cura para doenças como o câncer -, mas a Antártica, único naco de terra poupado até o momento de divisões territoriais, é tão ou mais relevante do ponto de vista estratégico. O Tratado Antártico, de 1959, estancou reivindicações territorialistas e garantiu o continente como área internacional. Mas o debate foi apenas congelado. Ambições de grandes e médias potências seguem latentes e, nas próximas décadas, certamente voltarão a aparecer.

Comparado a vizinhos como Argentina e Chile - conhecidos por invocarem proximidade geográfica como argumento para reivindicarem soberania -, o Brasil tem histórico tardio na região, aderindo ao tratado só em 1975. O acordo estabelece que, para ter voz em eventual rediscussão dos termos, o país precisa manter-se presente com pesquisa no continente branco.

O Brasil tem se destacado por seu papel no sistema internacional como potência emergente. A partir dos anos 2000, o país, durante governo Fernando Henrique Cardoso, inaugurou uma política externa de inserção estratégica por meio de processo de integração regional. A partir do governo 0 Luiz Inácio Lula da Silva, buscou-se aumentar influência e projeção internacional, utilizando-se de atuação no entorno estratégico e em fóruns multilaterais. A tragédia de 2012, que matou dois marinheiros e destruiu Ferraz, abalou os planos brasileiros na Antártica e no Atlântico Sul, àquele momento regiões já consideradas como parte do entorno estratégico, segundo a Política Nacional de Defesa.

A nova estrutura é obra de três governos: a licitação para empresas interessadas foi aberta em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, as obras começaram no início de 2016, durante o mandato de Temer, e a etapa final e inauguração coube à gestão de Jair Bolsonaro.

O Brasil tem feito uso do regime internacional que rege o sistema antártico, tendo na ciência princípio basilar, para demarcar presença no território e, ao mesmo tempo, projetar-se como potência regional em relação aos vizinhos. A reconstrução de Ferraz, endereço verde-amarelo na Antártica, reafirma interesses brasileiros no continente e no cenário global: estratégicos, científicos e diplomáticos.

RODRIGO LOPES

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