terça-feira, 21 de janeiro de 2020


21 DE JANEIRO DE 2020
CARPINEJAR

A consciência da fragilidade nos protege

Não podemos desligar o alarme da intuição. Somos vulneráveis. É um bobo desleixo e podemos não mais estar aqui. Costuma morrer quem se sente onipotente, quem se sente imortal, quem acha que está com o corpo fechado, quem confia na sorte, apesar dos avisos da fatalidade.

Ter um pouco de medo é saúde, ter um naco de receio é manter o instinto de sobrevivência.

O verão, principalmente, como há o desejo de aproveitar o tempo sem limites e horários, acaba sendo o período em que ocorrem as mortes mais banais, os fins mais tristes e improváveis.

As pessoas estão distraídas de seus trabalhos e afazeres, desconectadas da atenção urbana, e correm riscos à toa. Acionam o off-line da alma, o modo irrefreável de viver, não percebem que a mente e o corpo não andam sempre na mesma frequência, banalizam o poder das quedas e desprezam cartazes e sinais.

Sujeitam-se a dilemas desnecessários, jamais prevendo o desequilíbrio e o escorregão. Partem da ideia de que a regra é sair ileso, não se enxergam como a exceção. Arcam com as consequências, analfabetas do perigo. Era só usar a razão minimamente e ainda retornariam ilesos para casa. Era duvidar da insanidade e recuar um passo que ninguém choraria por elas.

Assim realizam uma selfie à beira do penhasco, desobedecendo à distância mínima de segurança. Assim cumprem trilha na mais completa ausência de equipamentos. Assim entram no fundo do mar de ressaca, apesar da bandeira vermelha. Assim mergulham na tempestade, alheias aos relâmpagos pipocando no céu. Assim caminham descalças em solos molhados. Assim se bronzeiam por turnos seguidos, descartando o uso do protetor.

Esquecem do que há de mais elementar na existência: o cuidado.

Por uma imagem inesquecível nas redes sociais, ou mesmo para provar aos amigos e familiares que são corajosos, tornam-se vítimas da imprudência. Acreditar que nada de ruim vai acontecer é o atalho das tragédias. A consciência da fragilidade nos protege.

Antes de cometer alguma sandice por capricho, eu penso em minha mãe me chamando, desesperada, nas margens da cena. É uma alucinação preventiva que preservo nas horas incertas. Volto por ela quando não volto por mim. Nunca quero que ela sofra.

CARPINEJAR

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