sexta-feira, 24 de janeiro de 2020



24 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Amor de mãe

Tem uma expressão que os americanos usam muito no inverno, é algo que gosto de ouvir. Eles dizem, ao se despedir:

- Keep warm.

Seria algo como "mantenha-se quente". Ou, talvez, aquecido. É um misto de conselho e desejo. Eles sabem que, na rua, está fazendo 12° Celsius negativos, como fez outro dia. Então, é importante que você não passe frio, que se agasalhe bem, que vá para lugares com aquecimento central, que não fique muito tempo ao ar livre.

Sempre que um americano diz que devo me manter aquecido, lembro da minha mãe.

- Leva um casaquinho! - recomendava ela quando eu ia sair de casa, mesmo depois de adulto, repetindo um bordão histórico de todas as boas mães brasileiras.

Leva um casaquinho.

Isso é de uma doçura, de um carinho, de um amor comoventes. Você vive no Brasil, não está fazendo 12° Celsius negativos, essa temperatura é impossível no Patropi. Ao contrário, o tempo está ameno, possivelmente uns 22°C, que, dizem, é a condição atmosférica ideal para o corpo humano. Mesmo assim, sua mãe, com a previdência característica das mães, calcula que, mais tarde, depois que o sol se esconder atrás daquele morro, vai esfriar um pouco, uns cinco ou seis graus a menos. Aí, você sentirá um leve desconforto. Não frio extremo como a gente sente aqui; um desconforto. Mas ela não quer que você enfrente nem essa mínima contingência. Assim, ela pede:

- Leva um casaquinho!

Agora me diga: alguém, neste mundo, vasto mundo, alguma vez já se importou desta forma com você? A mulher mais apaixonada, o amor da sua vida, aquela com quem você pretende gerar um filho, essa mulher JAMAIS alcançou tal nível de preocupação. Ela está pouco se lixando se você sentiu friozinho no fim da tarde.

Só uma mãe tem tanto cuidado. Só a sua mãe. Só a minha. Por isso sinto-me reconfortado quando os americanos sugerem que me mantenha aquecido. Lembro-me da dona Diva.

Freud dizia que não existe relação humana igual à que tem a mãe com o filho homem. E é verdade. O amor de mãe está no centro da construção da personalidade de cada homem. O nível desse amor é responsável pela segurança ou pela insegurança do indivíduo. Mas é responsável, também, pelo número de pessoas desagradáveis no planeta.

Agora mesmo, no instante em que escrevo esta crônica, estou vendo uma mãe com sua criança, bem aqui em casa, na sala. A criança está correndo por toda parte, mexendo em tudo e, por algum motivo, não quer ir embora. A atividade intensa dessa criança me deixa tenso. Prevejo que, a qualquer momento, ela vai quebrar algo ou se machucar ou cair da sacada e virar patê lá embaixo. A mãe já se despediu seis vezes e a criança se atira no chão e protesta e a mãe decide ficar mais um pouco. Oh, Deus.

Essa criança crescerá e se transformará em um adulto cheio de confiança. Ele se achará mais importante, mais sábio e mais belo do que os outros seres humanos. Ele criticará tudo e todos nas redes sociais. Ele terá certezas. Ele julgará e, em geral, condenará. Ele será um chato. Por quê? Por causa do incondicional e profundo e demasiado amor de mãe que a ele tudo perdoava.

Mas ele está enganado. Era só a mãe dele que achava bonito qualquer coisa que ele fizesse. E, agora, talvez nem ela ache legal que ele sempre fale mal de tudo e de todos e se comporte como um sabichão.

Não seja você também um chato. Entenda que só a sua mãe recomendará que você leve um casaquinho. E que os americanos só recomendam que você se mantenha aquecido por educação.

DAVID COIMBRA

Nenhum comentário:

Postar um comentário