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15 DE JANEIRO DE 2020

DAVID COIMBRA

Como montar um time de futebol

Não entendo como é que não me pagam uma fortuna para treinar um time de futebol. É um mistério para mim isso.

Generoso que sou, revelei, e de graça, no Sala de Redação de segunda, como deve ser o time ideal. Repetirei a receita aqui. Bebam desta sabedoria e se refestelem.

Goleiro. De preferência, deve ser meio louco, tipo Manga e Danrlei. Aprendi essa verdade nos tempos do IAPI, com nossos melhores goleiros, o Raimundão, o Zoreia e o Languiça. O Zoreia jogava narrando o jogo. Ele dava uma ponte suicida e berrava:

- DE-FEEEENDE ZOREIA! QUE GOLEIRO! QUE CRAQUE! QUE HOMEM!

O Languiça era magricela como? uma linguiça. Vivia arrumando confusão, mas não entrava na briga. Foi ele que, uma vez, jogando futebol de salão nos tempos da bola pesada, levou uma bolada bem no meio das pernas, com o que seu pequeno saco escrotal foi intumescendo e crescendo como se fosse um organismo independente, tipo um alienígena, saindo pelas pernas do calção feito a bolha assassina, colocando todos em pânico, ninguém imaginava que um saquinho tão minúsculo pudesse inchar assim.

O Raimundão tinha dois metros de altura e uns cem quilos. E, importante, bigode. Chegava ao campo com uma capanga, dentro da qual dormia um tresoitão. Antes da partida, na grande área, ele sacava o tresoitão, dava-lhe breve polimento com um lencinho e guardava-o de novo. Aí, caminhava devagar até o fundo da goleira, onde acomodava a capanga. Vinha de lá olhando nos olhos do centroavante, que, depois disso, em geral, evitava entrar na área.

Essa é uma atitude de goleiro.

Já os zagueiros, um tem que ser mau e o outro tem que ser mau também. Está certo, a dupla perfeita é formada por um grosso e um fino, mas essas características se referem à qualidade técnica. Nenhum dos zagueiros deve ser dado a amenidades, como, por exemplo, rir. Zagueiro não ri. No máximo, tem um esgar. Zagueiro não chora. Zagueiro não assiste a comédia romântica. Zagueiro não deita a cabeça no ombro da mulher amada. Zagueiro não toma clericot. Zagueiro não diz que A-MA alguma coisa.

Centromédio. Repare que não escrevi "volante". Volante é bilhete de loteria ou direção do carro. Ali, na frente da área, há que se atarraxar um centromédio. Ele é um limpa-trilhos, um dobermann, um leão de chácara. Ninguém entra na área sem a sua permissão. Se ele souber dar um passe de três metros, melhor.

O oito. Temos aí um heterodoxo, o mais flexível da equipe. Ele pode ser de movimentação, como um Tinga; ele pode ser do lançamento longo, como um Gérson; ele pode ser o mentor intelectual, como um Xavi. O importante é que ele faça o enlace entre o centromédio e o?

Dez. O camisa 10, todo mundo sabe, é o melhor do time. É aquele que sempre era escolhido em primeiro lugar na peladinha. Ele é canhoto, dribla em cima de um único parquê e chuta de revesgueio. Todo 10 chuta de revesgueio.

Na frente, completando o nosso escrete, há dois impreteríveis: o centroavante goleador e o ponta. O centroavante não precisa saber jogar bola, só fazer gol. Ele não pode, de jeito nenhum, ser um azarado. O centroavante namora a guria mais bonita do colégio e ganha todos os sorteios na festa de fim de ano da firma. O centroavante, ao contrário do zagueiro, ri, é irresponsável e falastrão. Quanto ao ponta, o ideal é que ele não tenha opinião sobre nada, que ele seja meio distraído na vida. Ele só tem de ser rápido, ir ao fundo e cruzar. Ou cortar o zagueiro e chutar de viés. Ponta que é ponta não pensa.

Esse é o time dos sonhos. Ah, bem, ainda temos o terceiro atacante, que não necessita ser atacante. Ele pode ser qualquer coisa, meio que como o oito. O treinador decide o que ele vai ser, e ele obedece.

Finalmente, os dois laterais. Esses dois, se não fossem laterais, seriam técnicos em contabilidade. Exercem funções aparentemente auxiliares, mas fundamentais. São discretos, obreiros e saem do campo com vontade de dar mais uma corridinha. E nunca se encontram: quando um vai, o outro fica.

Eis, pois, "O" time. De nada.

DAVID COIMBRA