sábado, 4 de novembro de 2017


04 DE NOVEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

O nó entre pai e filho


Há certos rituais que ainda são dos homens, hábitos exclusivos entre pai e filho, que não podem se perder com o tempo e a tecnologia.

Ensinar a se barbear com a devida espuma é um deles. Nada mais bonito do que pai e filho próximos no espelho, rostos sobrepostos, o pai pedindo licença para descer a lâmina na pele do filho, avisando que não vai machucá-lo, que não é para ter medo, demonstrando a firmeza da diagonal do gesto. O filho prestando atenção, e admitindo a exceção de uma mão que não a sua tocando em sua face, como um beijo diferente, como parte da sua vida. E depois colocar a toalha quente e borrifar loção, estapeando levemente os poros abertos e partilhando a ardência saborosa e perfumada da virilidade. Que tudo termine numa risada com "entendi, pai, entendi".

Fazer o nó da gravata é outra lição essencial. Acabei de explicar ao meu filho Vicente. Tinha que ser eu. Para que pudesse lembrar de mim em sua formatura, em seus dias de emprego, em suas saídas oficiais para festas e casamentos.

É hastear a bandeira do nosso amor no colarinho. A gravata traz uma delicadeza séria, uma doçura digna. Não importa a cor, será o nosso jardim nos ombros.

Quando ele firmou o nó pela primeira vez em seu pescoço, eu senti que nenhum mal e desavença posterior nos soltaria. Estávamos presos aos cadarços das camisas.

Foi um misto de orgulho e de nostalgia. Era pôr um laço definitivo de filiação. Eu o deixava ir para ficar na memória. Aceitava, com dificuldade, que ele estava grande, de que cresceu, de que deveria abrir o seu caminho sem precisar de mais ninguém para pedir favor. Daria conta de si sozinho dali por diante.

Não haverá abraço no futuro que nos torne tão rentes como naquele momento.

Assim que deve ser: é o filho que fará a gravata no enterro do pai. Valor a ser passado de geração em geração, pelos ciclos da existência.

Só ele repetirá a minha assinatura, ponto por ponto, dobra por dobra, não aceitando a ponta da gravata maior do que a cintura, não aceitando a despedida de qualquer jeito, mantendo o respeito e o capricho da minha essência na aparência.

CARPINEJAR