quarta-feira, 29 de novembro de 2017


29 DE NOVEMBRO DE 2017
FÁBIO PRIKLADNICKI

PRAZERES CULPÁVEIS

Não há nada mais divertido do que a expectativa que as pessoas criam a respeito dos gostos das outras. Se você curte música clássica, alguns podem presumir que jamais ouvirá Despacito ou o último sucesso de Anitta. Não, pelo menos, voluntariamente. Todos corremos o risco de ficar decepcionados quando alguém que temos em alta conta por seu conhecimento, digamos, de jazz revela ser amante do pagode romântico dos anos 1990 (nada contra, sei todas as letras). 

Mas também aquele em que depositamos a expectativa pode se sentir constrangido de confessar suas preferências tidas como menos nobres. Os falantes da língua inglesa têm uma excelente expressão - guilty pleasure - para descrever esse tipo de prazer que desperta culpa.

Muitas vezes, essa distinção entre o que é aceitável e o que não é soa meio absurda. Ouvir 1989, de Taylor Swift, é tido como algo meio manjado, mas a releitura deste disco feita por Ryan Adams, com o mesmo título, é bastante cult. Gostar da banda Calypso pode ser inconfessável para alguns, mas entender de guitarrada, carimbó e outros gêneros musicais típicos de Belém é digno de qualquer estudioso da cultura brasileira. A canção Sozinho cantada por Peninha, seu compositor, é considerada brega, mas na voz de Caetano é vista como linda.

O que mais me encanta é tentar entender de onde vêm essas expectativas, que pairam no ar meio sem dono e acometem praticamente todo mundo: aqueles que não querem confessar e aqueles que se decepcionam com a confissão do outro. Costumo desconfiar dos moralistas musicais que erguem o dedo para bradar um gosto musical acima dos demais. Aposto que todos eles têm um LP do Peppino di Capri empoeirado em algum canto da casa (a propósito, Champagne é minha canção preferida dele).

Mas daí não se deve concluir que qualquer discussão sobre música ou cultura deva ser interrompida no princípio. O mundo fica mais pobre se todo mundo ouvir apenas o que toca nos canais mais bombados do YouTube, nas rádios e na televisão. Independentemente do gosto musical, qualquer um se beneficiaria de um algoritmo que apresentasse um artista completamente diferente dos que estão no histórico de audição.

FÁBIO PRIKLADNICKI