sexta-feira, 10 de novembro de 2017


10 DE NOVEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

Gostar de Temer

Gostaria de gostar do Temer. Conheci-o em São Paulo, quando fui fazer um pequeno perfil dele. É um homem educado, gentil, até tímido. Suspira por mulheres bonitas, escreve poemas, é amigo dos seus amigos. Tem gestos comedidos de mordomo e fala suave de recepcionista. Nunca é agressivo. Nunca levanta a voz. Quer dizer: parece mesmo boa pessoa. Mas o governo que está fazendo... não é confiável, para dizer o mínimo.

Talvez o problema do Temer sejam as más companhias. As mães sempre alertam para esse perigo, e mães costumam ter razão. Diga-me com quem andas... Aquela história.

Agora mesmo, Temer decidiu trocar o diretor-geral da Polícia Federal. Uma mudança feita em meio à Lava-Jato já é suspeita, mas o pior é que dizem que o novo diretor foi indicado por políticos amigos de Temer que estão sob investigação, um deles José Sarney, velho personagem dos esconsos da República, eminência do Congresso, suserano do Maranhão.

Quase todos os amigos do Temer, aliás, estão sendo investigados, alguns já foram condenados, outros tantos já se mudaram para a Papuda. Seus apoiadores alegam que ele precisa dessa gente para aprovar projetos. É o mesmo argumento que usavam os petistas, quando falavam em "governabilidade" para justificar as alianças espúrias de Lula e Dilma.

Mas será que tem de ser assim? Será que o presidente tem sempre de ceder ao fisiologismo e à barganha, ou será que este é apenas o caminho mais fácil?

Não acredito nessa necessidade. Ao contrário, acredito que o Brasil possa ter um governo que realize o que considera certo sem fazer concessões ao que sabe ser errado. É o próprio Brasil que me faz ter essa convicção. Porque, até pouco tempo atrás, nós repetíamos, melancolicamente, que os poderosos jamais seriam punidos por seus crimes. 

E concluíamos, com razão, que a impunidade era o grande problema do país. Pois hoje os poderosos estão pagando pelo que fazem de errado. Muitos já pagaram, outros ainda pagarão. Isso graças à ação de gente comum, juízes de primeira instância, policiais, promotores, funcionários públicos de carreira. Gente como eu e você. Parecia impossível, e está acontecendo.

Chegará o dia em que não precisaremos de cinismo para tolerar um governo no Brasil.

O aborto e o estupro

Ninguém é a favor do aborto. Absolutamente ninguém. A mulher que faz o aborto não gostaria de fazê-lo. Se ela se submete a essa violência do corpo e da alma é porque se sente obrigada a isso. É porque não vê outra saída. E, de todas as situações em que o aborto é uma triste necessidade, nenhuma se torna mais dramática e mais urgente do que a da mulher que engravidou por causa de um estupro.

O estupro é uma pequena morte. Não é por acaso que os mais cruéis exércitos usam o estupro como arma de desmoralização do inimigo. Não é por acaso que nem entre presidiários o estuprador é perdoado.

No Brasil do vale-tudo, ora combatido pela Lava-Jato, o estupro é rotina. No meio dos ricos e no meio dos pobres. Pior: no meio das famílias.

Dias atrás, uma menina de 15 anos foi estuprada na Redenção. Isso acontece diariamente no país. E, agora, o Congresso caminha para aprovar a criminalização de todos os tipos de aborto, inclusive nos casos de estupro. É o obscurantismo. É o caminho das trevas. De certa forma, é mais uma violência, mais um estupro cometido contra as mulheres do Brasil.

DAVID COIMBRA