terça-feira, 21 de novembro de 2017


21 DE NOVEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

Gaúcho aposentado


Um gaúcho se aposenta de ser gaúcho não quando para de tomar chimarrão, o que já é grave, não quando deixa de conjugar o tu e adota o você, o que é muito suspeito, não quando corta o "bah" de suas exclamações, o que é esquisito, mas quando transforma a sua churrasqueira em depósito de tralhas.

Um gaúcho que ocupa a sua churrasqueira como se fosse extensão de lixo seco já é paulista. Ele profanou o altar sagrado da picanha. Ele sublocou o território de suas tradições.

Pode faltar espaço na casa, pode ter que pedir arrego na garagem da mãe, mas gaúcho que é gaúcho não cede a churrasqueira para fins espúrios. Não empresta a sua churrasqueira para mais nada. O máximo permitido é usá-la para guardar as suas armas de guerra: os espetos e o saco de carvão.

Na hora em que o lugar do churrasquinho quinzenal é posto a pique para esconder caixas, revistas e badulaques significa o fim vexaminoso do CTG da família.

Não existe como negociar aquele vão. É o poço artesiano da camaradagem e da cumplicidade com os amigos. Nenhum outro emprego é justificável. Mesmo que a mulher destile o seu charme e merchandising da sedução para conservar as caixas de sapatos. Mesmo que o filho venha com manha para estacionar o seu skate ou patinete.

Churrasqueira é cova aberta para a eternidade das brasas. É o nosso quartinho de fumaça. É o nosso pebolim de adultos. É o nosso jeito vitalício de agradar às visitas e exercitar a cordialidade. Não tem como ser rifado, bloqueado.

Não há lenço colorado no pescoço, bombacha e esporas que sejam capazes de restaurar a honra depois.

Pior que isso é só converter a churrasqueira em lareira. Mas daí o gaúcho não abandona o seu bairrismo, despede-se também de ser brasileiro. Assume o exílio definitivo dos trópicos e adquire o passaporte da União Europeia.

CARPINEJAR