quinta-feira, 9 de novembro de 2017



09 DE NOVEMBRO DE 2017
FEIRA DO LIVRO

QUANDO O RISO É A MELHOR CRÍTICA

MESA COM HUMORISTAS como Gregório Duvivier e Luis Fernando Verissimo foi atração concorrida da praça

Em suas variadas formas, o humor faz rir, provoca reflexões e pode ser até uma forma de levar a vida mais leve e encarar situações complexas de uma forma diferente. Na noite de ontem, escrever e falar com humor foram os temas de um encontro de grandes personalidades como Luis Fernando Verissimo, Antonio Prata, Gregório Duvivier e o português Ricardo Araújo Pereira. 

Em comum, todos têm, além da verve e de já terem produzido humor para várias mídias, o fato de serem colunistas da grande imprensa - Verissimo, em Zero Hora e no Globo. Os demais, na Folha de S.Paulo. Com tal experiência, mediados pelo jornalista Roger Lerina, o quarteto não teve dificuldade para arrancar risadas do público que lotou o Teatro Carlos Urbim, na 63ª Feira do Livro de Porto Alegre. Verissimo abriu a conversa falando sobre o humor como ferramenta de discurso

- Com o humor a gente pode fazer comentários sobre qualquer assunto, mas sempre com cuidado - disse Verissimo.

Gregório Duvivier fez um adendo. Para ele, o humor "nasce do incômodo", mas com ressalvas:

- Quando a revolta é muito grande, aí é difícil. O tempo todo tenho dificuldade, às vezes há uma briga entre política e humor. Porque você pode falar coisas sérias através do humor, mas seriedade demais pode matar o humor.

OS LIMITES DO HUMOR TAMBÉM EM DISCUSSÃO

Para os debatedores presentes, assim como tem a capacidade de, por meio do riso, fazer alguém pensar sobre as coisas sob uma nova perspectiva, o humor deixa de ser humor quando gera incômodo em quem está ouvindo. Há um limite, que vale para os dois lados. 

- A gente vive num país que não tem o hábito de problematizar. Antigamente, as minorias não tinham voz. E agora, o que muda é que elas têm voz e isso foi uma revolução. Tem gente que acha que a liberdade de expressão vale só para o piadista, mas ela precisa valer também para quem se ofende quando o humor vira preconceito - comenta Duvivier.

De acordo com o humorista do Porta dos Fundos, que veio a Porto Alegre lançar seu livro de crônicas Caviar é uma Ova, é preciso haver um equilíbrio entre a liberdade do humorista e a repercussão da piada em um determinado grupo:

- Não dá para dizer que o ofendido tem sempre razão, mas, da mesma forma, também não dá para dizer que o humorista tem sempre razão.

Antonio Prata, que veio lançar o misto de crônica e memória Trinta e Poucos, vê o ofício de fazer rir sob uma luz mais pragmática e crítica:

- Nenhum humorista, em sã consciência, acredita que vai mudar a realidade com as suas piadas.

Como contraponto, Ricardo Araújo Pereira, que autografa ontem os livros Se Não Entenderes eu Conto de Novo, Pá e A Doença, a Morte e o Sofrimento Entram num Bar, afirmou que o humor pode tornar o mundo menos duro:

- Eu acho que é possível que o humor contribua para tornar o mundo um pouco mais fácil pra nós. O mundo não muda, o mundo continua igual, mas a nossa perspectiva muda diariamente.

Na era das redes sociais, onde todos têm opinião, Duvivier considera a internet um espelho deformado da realidade:

- A maioria das polêmicas da internet só afeta a internet, é uma bolha. A gente ainda tá aprendendo a lidar. O mundo é mais legal do que a internet.

Matando a curiosidade do público, Ricardo Pereira disse que em Portugal não há piadas de brasileiros:

- Uma vez me perguntaram se em Portugal não existia piadas de brasileiro. Aí eu disse "e precisa"? - divertiu-se o português, fazendo a plateia rir

Dica do dia

Luís Eduardo Gomes
Diadorim Editora, 176 páginas

Os Lanceiros Negros

Com o subtítulo Histórias de Vida e de Luta pela Moradia, este livro-reportagem do jornalista Luís Eduardo Gomes reconstitui os quase dois anos da ocupação Lanceiros Negros, no centro de Porto Alegre, de novembro de 2015, quando famílias ocuparam um prédio público na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, até a desocupação do local realizada pela Brigada Militar em junho deste ano. 

O livro reconstitui as histórias dos ocupantes do imóvel e esmiúça os bastidores do processo judicial que levou à desocupação. Gomes participa hoje, às 18h30min, de um debate sobre o livro e a questão da moradia no Brasil na Sala Leste do Santander Cultural, e, às 19h30min, autografa o livro na Praça de Autógrafos.

O papel da escrita

Uma das principais vozes da literatura de autoria negra no Brasil, a escritora Conceição Evaristo conversou ontem com os leitores na feira. O público lotou o Teatro Carlos Urbim, maior espaço do evento, para ouvir a autora de Olhos d?Água tratar de temas como a representação da mulher negra na ficção e o papel da literatura na criação de uma identidade coletiva.

A escritora foi recebida pelo professor Luiz Maurício Azevedo e pela jornalista Priscila Pasko. Conceição começou o bate-papo explicando a importância da tradição oral em sua formação familiar:

- Não nasci rodeada de livros. Nasci rodeada de palavras. Tenho tentado o máximo possível estar próxima dessa herança que me foi conferida. É uma herança da cultura africana, das mulheres que me antecederam. Pessoas que mal iniciaram a formação escolar, mas eram donas de outro saber. Foram essas mulheres que me introduziram no mundo da literatura.

Hoje com 70 anos, Conceição começou a publicar seus primeiros livros no início dos anos 2000, mas só passou a ser reconhecida por grandes eventos literários nos últimos anos, depois de vencer um Prêmio Jabuti, em 2015.

- A valorização atual das escritoras negras partiu muito dos nossos esforços, das nossas lutas. O primeiro lugar de recepção dos meus textos foi o movimento social negro, principalmente pelas mulheres professoras, que levavam esses textos para sala de aula. Hoje, meus textos já são lidos em outras situações, mas quem os legitimou em primeiro lugar foi o movimento. Hoje já temos alguns pesquisadores não negros que defendem a inclusão de nossos nomes nas universidades e no vestibular.

Além de tratar da importância das escritoras negras, Conceição também analisou como as personagens negras têm mudado com um maior reconhecimento da literatura feita por negros:

- Na literatura brasileira canônica, a personagem negra como mãe é muito rara. Nas obras como Gabriela, de Jorge Amado, ou Menino de Engenho, de José Lins do Rego, as mulheres negras são muitas vezes responsáveis pela iniciação sexual dos meninos. Na cosmogonia africana, há o papel fecundante das mulheres, que vai além da fecundação física. É por isso que nós, autoras negras, damos tanta atenção às cosmogonias. A literatura é uma possibilidade de criação de identidade coletiva. Para um povo de diáspora, isso é importante. É um modo de escrever sobre uma origem que não conhecemos.

Infantil

Muitos dos autores que autografam na Feira ao longo do evento têm longa experiência em lançar livros e assinar exemplares para o público. Não é o caso dos 40 (muito) jovens autores de Balão Vermelho É História e Poesia, livro que será autografado hoje, às 10h, no Saguão do Memorial do RS. O livro de 161 páginas compila textos e poemas escritos por alunos das turmas Jardim A e Jardim B da Escola de Educação Infantil Balão Vermelho, uma das mais tradicionais da Capital. Os pequenos autores têm idade entre 4 e 6 anos. Este é o oitavo volume reunindo textos de alunos do projeto de escrita literária da escola.

Cultura

Paulo Roberto de Fraga Cirne autografa hoje, às 18h30min, na Praça da Alfândega, seu livro Tradicionalismo Gaúcho Organizado: 70 Anos de História (1947 - 2017). Com a experiência de quem trabalhou por 19 anos no MTG, Cirne recupera fatos e estatísticas do gauchismo, da fundação do movimento entre estudantes do Colégio Júlio de Castilhos a sua disseminação pelo país.

Misturando os formatos de ensaio e almanaque, o livro (Edição do autor, 230 páginas, R$ 30) apresenta também a evolução do MTG como movimento e o surgimento dos principais festivais de cultura gauchesca, como o Enart ou a Califórnia da Canção Nativa.

Quadrinhos

O cartunista e agora cada vez mais quadrinista Neltair Abreu, o Santiago, estará hoje na praça para discutir as relações entre a literatura oral e a narrativa em quadrinhos. Santiago está lançando na Feira hoje, às 18h30min, seu livro A Menina do Circo Tibúrcio (Libretos, 60 páginas, R$ 40), no qual transforma em quadrinhos causos de infância. Antes, às 17h, na Sala Leste do Santander Cultural, participa de um bate-papo com o jornalista Hiron Goidanich, o Goida, e com o também artista Guaraci Fraga sobre a natureza oral dos causos e seu processo para transformá-los em narrativa gráfica.

Destaques da programação

Hoje - 18h30min
Debate sobre "Os Maias", de Eça de Queirós

A professora da UFRGS Maria da Glória Bordini apresenta uma palestra sobre o maior romance do autor português. A atividade é parte da programação da Secretaria Municipal de Cultura que discute grandes clássicos. Na Sala O Retrato do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223)

Hoje - 19h
Sarau sobre Hilda Hilst

Arlete Cunha, Diego Schütz e Camila Umpiérrez apresentam o espetáculo In Cantus de Hilda Hilst, que reúne prosa, entrevistas e poemas da autora musicados por Zeca Baleiro. Na Tenda de Pasárgada, na Praça da Alfândega (Diante do Memorial do RS).

Amanhã - 15h
Homenagem a Ricardo Piglia

Exibição do filme Ricardo Emilio Piglia Renzi, sobre o escritor argentino falecido em janeiro deste ano. Após, debate com a professora da UFRGS Márcia Ivana de Lima e Silva e o jornalista e escritor Sergio Karam sobre o legado do autor de Dinheiro Queimado e A Respiração Artificial. Na Sala Oeste do Santander Cultural (Sete de Setembro, 1.028)

Amanhã - 18h
Bate-papo com Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Cientista político e descendente da família real brasileira discute "Por que o Brasil é um país atrasado?". No Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223)
BÁRBARA MÜLLER ALEXANDRE LUCCHESE