terça-feira, 14 de novembro de 2017



14 DE NOVEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA


O primeiro homem a comer tomate

Ontem, abri a geladeira e de lá colhi um tomate. Era um bonito tomate vermelho, do tamanho da mão de um homem. Ainda não estava maduro, serviria para a salada, não para o molho. Lavei-o bem e o admirei.

- Belíssimo tomate - disse para mim mesmo, imitando o sotaque italiano, enquanto o erguia à altura dos olhos. Em seguida, usei uma faca afiada para cortá-lo pela metade. Polvilhei cada hemisfério com sal. E comi às dentadas de dobermann.

Não fazia isso desde que tinha uns 15 anos de idade.

Sou um admirador do tomate mesmo assim, em estado bruto, o que dirá quando transformado em molho denso e oloroso. Entre as dádivas que recebemos dos italianos, como os quadros de Leonardo e Rafael, as esculturas de Michelângelo, a filosofia de Machiavel e Sêneca, os baldaquinos de Bernini, os livros de Dante e Umberto Eco, os olhos amendoados de Sophia Loren, Claudia Cardinale e Monica Bellucci, a consagração do cristianismo e a própria civilização ocidental, entre todas essas dádivas da Velha Bota, nenhuma me comove mais do que o molho de tomate, sobretudo quando se apresentar com o espaguete por baixo e o queijo parmesão por cima.

Mas não foi sempre assim. Quando o tomate chegou à Europa, trazido das Américas pelos conquistadores espanhóis, as pessoas tinham medo dele. Já pensou ter medo de tomate? Pois é. Os europeus achavam que o tomate era venenoso e só o cultivavam como enfeite, porque um pé de tomate é coisa bonita, realmente.

Esse medo atravessou os séculos. Aqui, nos Estados Unidos, o pavor era tanto, que se sabe até quem foi o primeiro homem que comeu um tomate no país. Foi um fazendeiro conhecido como Coronel Johnson, de Nova Jersey. Ele vivia dizendo que o tomate não fazia mal, e ninguém acreditava. Em certo dia de 1820, Johnson anunciou que na manhã seguinte iria comer tomate em público. Foi a maior comoção. A notícia se espalhou por Salem, a pequena cidade onde ele morava. As pessoas diziam umas para as outras:

- Amanhã, o Coronel Johnson vai se suicidar com um tomate!

De fato, no dia e no horário aprazados, o Coronel surgiu ao fim da rua principal de Salem, todo paramentado com os trajes da época, mangas e golas bufantes, sapato de fivela, chapéu de três pontas. Veio pisando firme e de queixo erguido, com um cesto pendurado no braço, ao som de uma música animada tocada pela banda do Corpo de Bombeiros, que já estava no local. Cerca de 2 mil pessoas o aguardavam e gritaram e vaiaram enquanto ele marchava. O Coronel só parou diante das escadarias do fórum. Subiu-as, abaixo dos apupos do povo, e colocou o cesto no chão. Capturou, então, um grande tomate e mostrou-o para seus concidadãos, que emudeceram de tensão.

- Agora vou acabar com essas bobagens em que vocês acreditam! - avisou.

E deu uma mordida no tomate. Uma mulher da assistência gritou e desmaiou. Os outros fizeram ó. O Coronel seguiu mastigando o seu tomate e, ao terminar de comê-lo, não satisfeito, pegou um segundo e comeu-o também. Os habitantes de Salem ficaram esperando que ele caísse fulminado pelo veneno, mas não foi o que aconteceu. O Coronel continuou vivo e bem. A partir de então, tornou-se o herói da cidade e sua façanha até hoje é lembrada com encantamento naquela região de Nova Jersey.

Depois desse feito, o tomate ganhou o planeta.

Alguém deveria comer o primeiro tomate do mundo moderno, e o Coronel o fez. Agora parece fácil, mas tudo parece fácil depois que pioneiros desbravam a escuridão.

Você não vai acreditar, mas contei toda essa história para falar da gasolina. Por quê? Descubra amanhã.

DAVID COIMBRA