segunda-feira, 27 de novembro de 2017


TRADIÇÃO

O último almoço do Bologna

COM SEIS DÉCADAS de história, restaurante na zona sul da Capital fechou suas portas ontem. Dívidas motivaram a decisão

Antigos frequentadores e fãs recentes aproveitaram o almoço de ontem para fazer uma última peregrinação até o Restaurante Bologna, que está fechando as portas depois de seis décadas de história. Um dos mais tradicionais de Porto Alegre, o estabelecimento da Avenida Coronel Marcos, em Ipanema, vai dar lugar a um empreendimento comercial.

Moradora da vizinhança desde a infância, Elizete Roncatto Dornelles, 66 anos, criou-se com os sabores do Bologna e fez questão de estar presente no derradeiro fim de semana de funcionamento. Na noite de sábado, foi jantar com o filho no local. No domingo, não resistiu à tentação e voltou, para buscar bifes à parmegiana e lasanhas verdes. Bastou ser questionada sobre o fechamento para que começasse a chorar.

Elizete lembrou dos primeiros tempos, quando o restaurante era pouco mais do que uma cabana e os proprietários, os imigrantes italianos Giorgio Negroni e Lilia Savorelli, tinham tão poucos recursos que iam ao mercado comprar os ingredientes na hora em que o cliente fazia o pedido, com o dinheiro que ele pagava.

- Quando eu era pequena, ia para a praia de Ipanema, porque na época dava para tomar banho, passava por aqui e pegava um sorvete - recordou Elizete.

Os namorados Ricardo Loose Jr, 30 anos, e Julie Mross, 26, foram os primeiros a sentar para o almoço de domingo, ainda antes do meio-dia. Eles chegaram cedo porque tinham medo de que, no último dia, pudesse faltar mesa. Ricardo é um frequentador desde a infância. Julie tornou-se adepta há uns poucos anos. - Ela lembrou que hoje fechava hoje e que era nossa última chance. A comida é muito boa. Podiam manter pelo menos o delivery - observou Ricardo.

UM ADEUS SEM NADA DE ESPECIAL: DIA DE TRISTEZA, DISSE O DONO

A despedida também foi emocionante para os funcionários. São 36, somando os do Bologna e os da trattoria e pizzaria Dal Padrino, que funciona no mesmo terreno, é do mesmo proprietário e também vai fechar. O mais antigo é o gerente das duas casas, José Carlos Maciel Araújo, 54 anos. Ele começou a ajudar com 10 anos de idade, varrendo o pátio. Mais tarde, trabalhou na produção de sorvete. Em seguida, passou para a cozinha e depois, já adolescente, trabalhou como garçom.
- Vou dizer o quê? O Bologna não foi importante na minha vida. Foi a minha vida - afirma Araújo, conhecido como Neco.

O atual proprietário, José Roberto Pereira, 65 anos, afirma que decidiu vender o imóvel de 2.850 metros quadrados por causa do endividamento da empresa. Conforme ele, o empreendimento tornou-se insustentável. O primeiro golpe foi a proibição de fumar em restaurantes. O segundo foi a Balada Segura. Depois, a insegurança da cidade. Por fim, sobreveio a crise econômica. Tudo somado, os fregueses passaram a ficar em casa em vez de sair para refeições e beber. Pereira decidiu não preparar nada de especial para o último dia da casa.

- Não tenho nenhum motivo para comemorar, porque para mim é uma derrota fechar o Bologna. Imagina tu levares a vida inteira para adquirir um nome e ter de entregar tudo para resolver problemas financeiros. Se ainda fosse para usufruir do dinheiro, tudo bem, mas vai tudo para pagar indenizações de funcionários e dívidas. É um dia de tristeza - afirmou.

Com a Itália vivendo um difícil período econômico depois da guerra, Giorgio e Lilian resolveram sair de Bolonha para tentar a sorte no Brasil. Ele começou a trabalhar como garçom no centro de Porto Alegre, enquanto ela fazia lasanha em casa e as vendia para famílias que veraneavam em Ipanema. As receitas italianas fizeram tanto sucesso que motivaram o casal a fundar o restaurante, na metade da década de 1950. O filé à parmegiana e o talharim à bolonhesa tornaram-se famosos, permitindo que o restaurante fosse ampliado e sofisticado.

Em 1982, morreu Negroni. Lilia assumiu o empreendimento, mas ele afundou em dívidas, sofreu uma intervenção judicial e acabou fechando em 1989. Em 1994, foi leiloado a dois casais, que providenciaram reforma e reinauguração. Foi deles que Pereira, o atual proprietário, comprou o restaurante. Ele afirma que ainda há uma esperança para os fãs. Não vendeu a marca e espera poder reabrir o Bologna em outro endereço.
ITAMAR MELO