segunda-feira, 17 de agosto de 2020


17 DE AGOSTO DE 2020
ARTIGOS

Números, mas não só

Números costumam não ser absolutos, principalmente quando confrontados entre si, como precisamos fazer. Então, a objetividade encontra, inevitavelmente, a subjetividade humana. Se olharmos por um ângulo (o dos números), leremos alguma estabilidade na curva de infectados pelo coronavírus que justificaria a flexibilidade nas regras do distanciamento social. Assim aqui, assim em grande parte do mundo.

Mas esta mesma grande parte do mundo já vem mostrando que a abertura precipitada tende a provocar um aumento (no número) de infectados; em consequência, de óbitos e, sob a mira de alguns números, independentemente dos cuidados. Entre os mortos, mais de noventa por cento (números) pertencem ao grupo de risco, como idosos e fragilizados por doenças prévias.

Se olharmos para o aumento no número de casos internados em UTIs, neste momento, outro número ganha a frente, de forma quase absoluta. Aí, fica muito difícil relativizar alguma coisa e não pensar - especialmente, não sentir - que perderemos mais gente. Bastaria um único ser humano para questionar as autoridades. E há milhares. Assim aqui, assim em grande parte do mundo.

Na minha subjetividade, avulta o quanto ainda estamos longe de uma civilização digna deste nome, que é também quando a capacidade de frustrar-se ou não atender a certas necessidades pessoais impõe-se diante de valores que a transcendem. Do outro lado de qualquer número, poder alcançar a convivência coletiva de uma comunidade, em aspectos como a ética e a alteridade. Na civilização, não haveria ato que não pensasse ou sentisse o outro, antes de existir.

Atender-se e, em função disso, não poupar os mais frágeis entre nós sugere o quanto fracassamos novamente como humanidade diante de um desafio maior. Mais do que um vírus, a barbárie está vencendo, e não parece à toa que anda tão difícil nos fazermos ouvir pelas crianças, conforme os relatos de quem as tenta escutar. Deixamos de ser confiáveis como exemplos civilizatórios. Assim em grande parte do mundo e, por aqui, se fosse medido, em número muito maior.

CELSO GUTFREIND - Psicanalista e escritor | gut@terra.com.br

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