quarta-feira, 26 de agosto de 2020



26 DE AGOSTO DE 2020
DAVID COIMBRA

Bolsonaro nos ama

Um dos maiores problemas de Bolsonaro é que ele se importa demais com o que a imprensa diz a seu respeito. Ele queria ser amado pelos jornalistas, queria que todos o elogiassem e o aplaudissem, mas não é assim que acontece, então ele se revolta, perde o controle e fala besteira.

Nesta segunda-feira, Bolsonaro estava se autoelogiando, lembrando do seu "histórico de atleta", ao que atribui o fato de ter se curado da covid-19, e então não se aguentou: teve que assacar contra os jornalistas. Mandou: "Quando (a covid) pega num bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor".

Ou seja: morre de covid-19 quem é bundão.

Diogo Mainardi, ao saber da declaração de Bolsonaro, gravou um vídeo compassivo diante das águas da Lagoa de Veneza. Lembrou que seu pai, Ênio Mainardi, morreu de covid-19, e perguntou se tinha o direito de sentir vontade de socar a boca do presidente da República, como o presidente da República disse ter vontade de fazer com um jornalista naquele mesmo dia.

É evidente que Diogo Mainardi, vivendo a dor de um filho que perdeu o pai, tem o direito de sentir vontade de socar a boca de Bolsonaro. Familiares e amigos de outros 115 mil brasileiros que morreram de covid devem estar sentindo o mesmo. Portanto, neste exato momento, centenas de milhares, talvez milhões de brasileiros estejam odiando Bolsonaro por uma única declaração absurda que ele fez.

Ainda assim, Bolsonaro seguirá emitindo tolices, porque ele simplesmente não consegue entender que falar em público é diferente de falar em particular, sobretudo quando quem fala é presidente da República. Bolsonaro acredita que está sendo autêntico quando ofende pessoas ou diz palavrões, e na verdade está sendo apenas grosseiro. Essa grosseria faz com que ele seja criticado pela imprensa, o que o machuca e provoca nova reação destemperada e nova crítica.

Está certo que todos os presidentes se queixaram da imprensa. Todos. Lula chegou a sonhar com o que chamava de "regulação", um eufemismo para censura. Mas nenhum, nem os "impichados" Collor e Dilma, nem o impopular Temer, nenhum se abalou tanto com a opinião dos jornalistas quanto Bolsonaro.

É algo curioso, porque Bolsonaro está cercado de bajuladores. Eles o chamam de "mito", veja só. Eles, exatamente como os lulistas, não conseguem ver nele nenhuma falha, como se Bolsonaro fosse uma espécie de super-herói. Mas não é suficiente. Bolsonaro anseia por um elogio mais do que todos os outros: o elogio dos jornalistas.

Ora, você não pleiteia o afeto de quem despreza. Só lhe causa aflição a malquerença de quem você deseja. Com o que, concluo que essa insistência de Bolsonaro em atacar jornalistas não é ódio; é amor. Mas o amor dos espíritos primitivos, como o homem que, não admitindo a rejeição da mulher, tenta matá-la: "Se você não vai ser minha, não será de mais ninguém!" Para esse homem paleolítico, a mulher tem obrigação de amá-lo tão somente porque ele quer - ele acha que tem méritos e que é dever dela reconhecê-los. Se ela não reconhece, ela é que está errada.

Bolsonaro é assim. Bolsonaro é um homem sem requintes. Em sua compreensão de mundo, ele acredita que tem direito a todos os louvores. Ele olha para a imprensa cheio de angústia esperançosa, ele quer aprovação, quer carinho, e só encontra censura. Então, sofre. Sofre por amor. Bolsonaro ama a imprensa de uma forma como a imprensa jamais foi amada. Compreendo a dor de Bolsonaro. É a dor que desatina sem doer, é um descontentamento contente, é uma ferida que dói e que se sente, é o fogo que arde sem se ver.

DAVID COIMBRA

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