sexta-feira, 21 de agosto de 2020



Amizade

Num mundo de relações líquidas e passageiras, numa época em que, mais do que nunca, certezas mesmo só a morte e pagar impostos, pensar que a amizade é o amor que não acaba é inspirador e nos traz esperanças. Como escreveu Mario Quintana, amizade é quando o silêncio a dois não se torna incômodo e alguém já disse que amigo mesmo é o que permanece em silêncio ao lado do amigo quando percebe que naquela hora é melhor não falar nada.

Pesquisas de cientistas sobre como viver mais e melhor apontam que, acima de tudo, para ser velho e feliz, é fundamental bom relacionamento familiar e ótimas relações de amizade. Há quem queira ter um milhão de amigos, como o rei Roberto Carlos, outros se contentam com milhares de amigos e/ou seguidores nas redes sociais. Outros preferem ter poucos, verdadeiros e densos amigos.

Pensando bem, quem tem amigos demais e é "amigo de todo mundo", muitas vezes não é verdadeiramente amigo de ninguém. Pessoas mais velhas, por vezes dizem: não me apresenta mais ninguém, que já tenho amigos demais. Exagero, claro, sempre é possível uma nova e boa amizade, inclusive aquelas que depois de 15 minutos parecem "amizades de infância". Antigamente, a pessoa ficava amiga íntima instantaneamente quando encontrava desconhecidos em ônibus, trens, hotéis, aviões e navios e começava a conversar. Antigamente, havia o hábito de conversar e quando um falava o outro ouvia.

O Papa João Paulo II (1920-2005) foi amigo da filósofa polaco-americana Anna-Teresa Tymieniecka (1923-2014) por 32 anos. Se encontraram algumas vezes, trocaram centenas de cartas secretas e o fato insólito para o Vaticano ficou como exemplo de amizade duradoura, sensível e profunda. João Paulo II deixou para ela um de seus bens mais preciosos, um escapulário que o acompanhava há décadas.

Amizade é isso, respostas para nossas necessidades, campo onde plantamos amor e colhemos gratidão, família que escolhemos livremente, porto seguro para as horas de aperto, salão de festas para as horas alegres e ouvidos atentos para certas palavras que dirigimos somente aos amigos do peito. Amizade é troca desinteressada de risos e de lágrimas. Tempo e distância não importam para amizades verdadeiras, dessas que duram 50, 60, 70 anos, que vão do pátio do jardim de infância ao quarto da clínica geriátrica.

"Tem poucos, raros amigos - o homem atrás dos óculos e do bigode", versejou o gigante Carlos Drummond de Andrade. Não é tão mal ter raros amigos, desde que sejam amigos raros. "O inferno são os outros", disse o personagem de Jean Paul Sartre sobre a companhia obrigatória de duas pessoas. Prefiro não acreditar que o inferno sejam os outros ou que o inferno esteja dentro de nós. Acho que o inferno é o que, infelizmente, com mais frequência do que devia, está entre as pessoas, entre as classes, as instituições, os partidos, os países, etc.

O ideal seria não ser confidente demais com os amigos, pois eles têm outros amigos... Segredo de dois, só morrendo um...

A propósito...

Nesses tempos de pandemia, a amizade ganhou cores especiais, diferentes. Lembramos de amigos que não tínhamos contato, por vezes ligamos para alguns com quem tínhamos brigado e procuramos pensar que estamos juntos nessa temporada braba. Criei até um hábito novo: quando resolvo caminhar dentro de casa (ou até fora), tomo o celular e faço visitas cordiais aos amigos. Uns acham que a pandemia vai durar para sempre, outros são mais otimistas e eu procuro falar e ouvir, ouvir e falar. Quem me conhece sabe que falo pouco e minto um pouquinho. Está na hora de recuperar a arte da conversa. Como diz a sabedoria popular: quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas...

(Jaime Cimenti)

Lançamentos

Regresso a casa (Dublinense, 112 páginas), livro de poemas inéditos de José Luiz Peixoto, um dos mais aclamados autores portugueses da atualidade, fala das quatro paredes de sua casa e de todas as recordações. Evoca solidão, isolamento, portas fechadas e solidariedade.

História da sexualidade - Volume 4 - As confissões da carne (Paz & Terra, 528 páginas, R$ 79,90), obra inédita do grande pensador Michel Foucault, analisa a experiência cristã do sexo, especialmente entre os primeiros séculos do cristianismo, a Antiguidade e a Modernidade. O autor mostra o modo cristão de pensar o sexo.

Naufrágio das civilizações (Editora Vestigio, 256 páginas, R$ 54,90), do consagrado escritor e pensador Amin Maalouf, traz um olhar profundo sobre o nosso tempo. Conflitos identitários, islamismo radical e o ultraliberalismo são examinados pelo autor do best-seller As cruzadas vistas pelos árabes.

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