25
de março de 2012 | N° 17019
VERISSIMO
Paradoxos
Nossa
biografia, nossos amores e vexames, nossos sonhos e brotoejas – nada disso
interessa ao DNA
Tem
duas coisas que não batem com a teoria de Darwin sobre a evolução das espécies.
Uma é o altruísmo, que desmente a tese de que a seleção natural se faz pela
competição entre genes egoístas.
Outra
é o veneno, que desmente a tese de que os bichos desenvolvem seus mecanismos de
ataque e defesa na luta pela sobrevivência, já que o bicho venenoso é venenoso
desde os seus primeiros ancestrais e portanto já nasce pronto para a guerra
química.
As
formigas e as abelhas são os exemplos mais conhecidos de bichos sociais com um
comportamento altruísta. Nascem com sua função e seu destino já programados e
estes podem incluir o sacrifício do indivíduo pelo grupo. O próprio Darwin
reconheceu o paradoxo do altruísmo, que intrigou a ciência durante muito tempo
– tanto tempo que só na metade do século 20 começaram a estudar o fenômeno a
sério.
Se,
segundo Darwin, você, eu e a minhoca estamos no mundo para obedecer o nosso
gene egoísta e sobreviver para poder transmiti-lo a nossa prole, como se explica
o comportamento altruísta de espécies inteiras?
Uma
explicação fascinante que surgiu é assim: nossa missão na vida é transportar o
DNA que recebemos dos nossos pais, que receberam dos nossos avós e assim por
diante, desde as primeiras amebas da família.
Tudo
o que somos e o que fazemos, nossa biografia, nossos amores e vexames, nossos
sonhos e brotoejas – nada disso interessa ao DNA. Ele só está nos usando como
transporte. Quer segurança e quer ser passado adiante com eficiência, e o
mínimo que espera de nós é que sejamos bons reprodutores para ele não perder a
viagem.
E em
comunidades endógamas como as das formigas e das abelhas, onde todo o mundo é
irmão ou no máximo primo, os DNAs se parecem. Existe até o que poderia ser
chamado de um DNA coletivo. Assim, os altruístas não estão renunciando à sua
missão. Estão assegurando que o DNA do grupo será passado adiante, com seu
sacrifício. É o determinismo darwiniano funcionando por outros meios.
A
teoria do DNA coletivo não é universalmente aceita entre os biólogos, mas, que
eu saiba, não apareceu outra tão razoável. Formigueiros e colmeias são exemplos
inspiradores de altruísmo e divisão de tarefas, muito citados como modelos para
a humanidade, mas é bom não esquecer que se trata de monarquias não-parlamentares
e escravocratas – e ainda por cima matriarcados!
Quanto
aos bichos venenosos, nada os explica. Só uma teoria da maldade intrínseca, de
um mau caráter nato e entranhado. É inimaginável que sua espécie tenha
desenvolvido seu poder peçonhento como outros animais desenvolveram carapaças
ou disfarces para se proteger de predadores ou enganar presas.
Os
venenosos não produzem seu veneno num processo de tentativa e erro, o que os
enquadraria no grande drama da competição em que os bichos, através dos séculos,
vão aperfeiçoando as suas armas para a sobrevivência.
Nunca
precisaram testar o produto da sua alquimia interna – este veneno mata em
segundos, este só paralisa, etc - antes de usá-lo. Já nascem sabendo o que
podem. O que explica aquela empáfia da primeira serpente da Terra, na sua
representação bíblica. Ela se sabia o Mal irresistível, e conhecia todos os
seus próprios venenos. Que viesse a seleção natural do Darwin – ela estava
pronta.