26
de março de 2012 | N° 17020
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Bispo do Rosário
Não
se trata de tema imediatamente religioso, como o título parece sugerir. Aqui se
fala de um artista único na história brasileira: o sergipano Artur Bispo do Rosário
(1909 – 1989). Internado num manicômio carioca por 50 anos, descendente de
escravos, personagem patética e arrebatadora, dedicou-se de maneira recorrente
a uma espécie de delírio artístico, trabalhando com materiais que tinha à mão: fios,
panos, madeira, papel, papelão, metal. Suas criações são desconcertantes. Impossível
não ser tocado pela força de produção, seja em quantidade, seja em densidade
simbólica.
Apartado
da comunidade “sadia”, vivendo entre “iguais”, dotado de uma imaginação
transbordante, ele usava o cotidiano como inspiração.
Seus
objetos recriam, numa fidelidade de escala e de proporções, aquele seu (pequeno)
mundo feito de pequeninas coisas: um rolo de pintar paredes, um patinete, uma
mangueira, um ponto de ônibus, uma tesoura, um capacete, um pandeiro, um
regador, um cabideiro, um moedor de cana, peças de jogo de xadrez, uma pá de
lixo, um rolo compressor, uma escada de parede, um machado – e mais uma centena
de objetos que, recebendo a textura do pano e da linha, passam a adquirir novos
significados. Isto é: aquilo é e não é, ao mesmo tempo.
Deixam
de ser o que são: essa pá de lixo e esse machado não servem senão ao olhar. Não
contente em criar esse gabinete de curiosidades, ele borda sobre a superfície
de pano o nome “real” dos objetos e lhe atribui um número. Nomear e numerar
eram sua maneira de apreender para si o objeto da criação. Podemos, assim,
atribuir a esse artista uma qualidade demiúrgica, dotada de uma irracionalidade
que, ao fim e ao cabo, faz sentido no universo particular do autor.
Isso,
e muito mais, pode ser encontrado no Santander Cultural. Esse “muito mais” são
obras-primas, como o célebre Manto da Apresentação, uma espécie de poncho com o
qual ele se apresentaria perante Deus, crivado de frases sibilinas, ornamentos,
colagens de patchwork, galões, fios trançados, penduricalhos – enfim, o que a
fantasia mandava e ele obedecia.
Deus
– eis uma preocupação constante de nosso artista. Deus, com as atribuições
divinas clássicas, mas também um Deus compassivo e muito próximo do ser humano.
Um Deus doméstico.
No
final de tudo, o título – que é o nome do artista – não está tão longe de
representar uma profunda religiosidade.
Vá ao
Santander – você, ali, viverá uma das mais impressionantes experiências de sua
vida.