sábado, 24 de março de 2012


 

A árvore e seus frutos

O GUERREIRO LEMBRA-SE DO PASSADO. Conhece a busca espiritual do homem, sabe que ela já escreveu algumas das melhores páginas da História. 


E alguns de seus piores capítulos; massacres, sacrifícios, obscurantismo. Foi usada para fins particulares e viu seus ideais servirem de escudo para manipulações terríveis. 

O guerreiro já ouviu comentários do tipo: “como vou saber se este caminho é sério?” Viu muita gente abandonar a busca por não saber responder a esta pergunta.
O guerreiro, porém, não tem dúvidas, segue uma fórmula infalível. “Pelos frutos, conhecereis a árvore”, disse Jesus. Ele segue esta regra, e não erra nunca. 

Os frutos de quem não quer ouvir
Um profeta chegou em uma grande cidade da Pérsia, e multidões se reuniam à sua volta todas as manhãs. Mas o tempo foi passando e sua presença deixou de ser novidade. 

— Já sabemos tudo o que nos tinha para dizer — comentavam, indo em busca de um novo profeta para lhes ensinar o caminho. 

Mesmo sem ninguém para escutá-lo, o profeta continuava indo até a praça fazer seu sermão. 

— Por que insiste em continuar aqui? — perguntou um menino. — Não vê que fala sozinho? 

— Todo aquele que tem coragem de dizer o que sente na alma está em contato com Deus. Eu procuro escutá-Lo quando estou falando.
“O fato de ter uma platéia de vez em quando não muda nada.” 

Os frutos de quem não quer receber
Durante um jantar no mosteiro de Sceta, o padre mais idoso levantou-se para servir água aos outros. Foi de mesa em mesa com muito esforço, mas nenhum dos padres aceitou. 

“Somos indignos do serviço deste santo”, pensavam. 

Quando o velho chegou na mesa do abade João Pequeno, este pediu que enchesse seu copo até a borda. Os outros monges olharam horrorizados. No final do jantar, cercaram João Pequeno: 

— Como pode julgar-se digno de aceitar aquela água? Não percebeu o sacrifício que ele estava fazendo para servi-lo? 

— Como posso impedir que o bem se manifeste? Vocês, que se acham santos, não tiveram humildade para receber, e o pobre homem não teve a alegria de dar. 

Os frutos do coração humano
A tradição sufi conta história de um rei que procurava bons pintores para decorar o seu palácio. Duas equipes — uma grega e uma chinesa — compareceram com seus melhores artistas, tentando conseguir um trabalho que renderia milhares de moedas de ouro. 

Como teste, o rei pediu que cada uma decorasse uma parede de uma das salas. Para que um grupo não visse o trabalho do outro, escolheu paredes opostas e colocou uma cortina no meio. 

Os chineses pintaram a sua com o maior cuidado, enquanto os gregos apenas poliam sem parar a superfície da outra. Chegou finalmente o dia em que o rei resolveu remover a cortina e comparar os resultados. 

De um lado, viu a bela pintura chinesa. Na outra parede, que havia sido polida até se transformar num espelho, o rei também viu a bela pintura chinesa — mas com sua própria imagem no meio. 

— Este é melhor — disse o rei. E os gregos ganharam o emprego, porque souberam lidar com a vaidade alheia.


Paulo Coelho