31
de março de 2012 | N° 17025
CLÁUDIA
LAITANO
Famoso quem?
Quem é a pessoa mais famosa do mundo?
Digite isso no Google, e as respostas serão tão insólitas quanto divertidas:
“Jesus, Bento 16 e Britney Spears”, “Deus, Michael Jackson, Beatles e Madonna”,
“Oprah, Obama e Lady Gaga”.
Famoso pra quem, cara-pálida?, seria a
resposta mais adequada. A maior surpresa da cerimônia de entrega do Grammy,
realizada em fevereiro, não foram os muitos prêmios de Adele (conhece?), mas a
multidão de internautas que durante a festa perguntava nas redes sociais quem
era, afinal, aquele coroa sorridente que estava sendo homenageado no palco.
Ter
feito parte da maior banda de rock do mundo e estar na ativa há mais de 50 anos
queria dizer abacate para os fãs de Rihanna e Lady Gaga: Paul McCartney levou
um sonoro e virtual “famoso quem?”.
Esta semana, aconteceu um fenômeno parecido
aqui no Brasil nas horas que se seguiram à morte de Millôr Fernandes. Enquanto
boa parte dos adultos letrados lamentava a perda de um dos pensadores mais
lúcidos do Brasil, uma multidão de inocentes perguntava-se quem, diabos, era
aquele sujeito bom de trocadilhos que andavam citando tanto no Twitter.
A
movimentação foi tamanha, que um gaiato decidiu criar o blog
quememillorfernandes.tumblr.com, reunindo manifestações do tipo: “Vei... Eu nem
sabia quem era Millôr Fernandes, daí essa pessoa morre e vira gênio do nada!”.
Nossa primeira reação diante da ignorância
alheia (principalmente com relação aos nossos ídolos) é amaldiçoar a estupidez
humana e a corrupção dos tempos. Menos. Atire a primeira lápide quem nunca foi
surpreendido pela consternação em torno da morte de um “famoso quem?”.
Todo
mundo tem buracos negros em sua cultura geral – e quem acha que não tem
provavelmente está mal informado. (“Não é que com a idade você aprenda muitas
coisas; mas você aprende a ocultar melhor o que ignora”, escreveu o próprio
Millôr, mestre na arte de não se levar muito a sério.)
Diante de um fato que ilumina nossa vasta e
espessa ignorância, temos duas atitudes possíveis: desprezar a nova informação
(se eu não sei e os meus amigos não sabem, não faço muita questão de saber) ou
procurar entender do que estão falando.
Na
era da superabundância de informação, porém, eleger prioridades tem se tornado
cada vez mais difícil: cultura pop e cultura erudita, diversão e notícias,
presente e passado, muitas vozes disputam nosso tempo e nossa atenção.
O
sujeito que se orgulha de nunca ter ouvido falar de Millôr ou Paul McCartney
pode desprezar quem é leigo em Bruno Mars ou Angry Birds (“Em que mundo você
vive, macróbio alienado?”).
Tanta
informação disponível pode ser encarada com arrogância, por quem se convence de
que já sabe tudo o que precisa saber, ou com angústia, por quem é
permanentemente assolado pela sensação de que está perdendo alguma coisa.
Quem nunca ouviu falar de Millôr Fernandes
pode ser digno tanto de pena quanto de inveja. Pena se perder a chance de
dar-se ao trabalho (e ao prazer) de descobrir por que tanta gente gostava dele.
Inveja porque só quem não o conhecia pode desfrutar o prazer irrepetível de ler
Millôr pela primeira vez.