25
de março de 2012 | N° 17019
TEMA
PARA DEBATE - Esther Pillar Grossi*
Sala de aula sem
professor
Inimigos
de Classe é o nome da forte peça de teatro com a qual Luciano Alabarse brinda
Porto Alegre neste momento. Esteve em cartaz no Theatro São Pedro e voltará a
ser apresentada a partir do próximo dia 30, durante quatro semanas, no Centro
Municipal de Cultura.
Um,
dentre muitos aspectos que Inimigos de Classe suscita em quem vivencia a
realidade de algumas escolas públicas, são faltas frequentes de professores.
Assisti
a Inimigos de Classe há dias e não consegui escrever imediatamente a respeito
do que me ocorreu sentir e pensar durante o espetáculo impactante. Um pouco do
que senti e pensei transcrevo a seguir, provocada pela elo- quência de uma boa
obra de arte.
Todo
santo dia mergulhada que estou na trama escolar de escolas públicas pelo Brasil
afora, na Colômbia e em Cabo Verde, apalpei a atualidade estarrecedora de
Inimigos de Classe, escrita em 1935, na Inglaterra.
A
falta de professores nas salas de aula é uma realidade tão corriqueira em
escolas públicas, que faz com que a gente ouça e sinta a tragédia dos alunos de
Inimigos de Classe, à espera de um professor que não vem, como pungentemente
familiar.
Pasmem,
em uma “boa” escola pública de Porto Alegre, cuja média dos salários dos seus
70 professores é R$ 5 mil, a cada dia, há anos, acontece em média ausência de
oito deles. Estas ausências obrigam diariamente a uma adaptação do horário de
cada turma e naturalmente um viés assassino nos planejamentos já preparados
para tentar levar os alunos a se apropriarem das riquezas do patrimônio
cultural e científico que nos legaram nossos antepassados, razão específica da
existência das escolas.
Dentre
as muitas experiências de alunos sem professora, uma me marcou quando reuni,
depois de um curso de matemática, um grupo de professores desejosos de
continuar estudando essa apaixonante disciplina científica.
Fizemos
um planejamento em torno de um campo conceitual superinteressante, que é o
sistema de numeração. Dispusemos material multibase para todos os participantes
e, passadas seis semanas, nenhuma das 10 professoras, cada uma de uma escola
diferente, executou o planejamento devido à falta de colegas professores.
Não
havia possibilidade de executar seus planejamentos didáticos previstos para uma
só turma em outra com o dobro de alunos. Juntar duas turmas é uma das alternativas
para tapar o buraco de uma professora faltante.
E
por que há professores que faltam tanto? Por um lado, por irresponsabilidade
deles. Mas, fundamentalmente, o que desmotiva um professor é ensinar pouco e
não curtir as imensas alegrias de quem faz aceder ao conhecimento uma turma de
alunos.
Mas,
por que ensinam pouco? Porque utilizam metodologia ineficaz, calcada em
explicações que embrutecem. Embrutecem porque seguem a lógica dos conhecimentos
a ensinar, e não a lógica na qual os alunos aprendem.
Para
que isso mude, é necessário que a formação dos professores seja outra, mas
principalmente que esta nova formação inclua a força prodigiosa do desejo de
ensinar de professores com a qual, associada a muitos e sólidos conhecimentos
científicos, vá realizar o que Freud caracteriza como atividades profissionais
impossíveis:
curar,
educar e governar. Impossível para Freud é aquilo que só é conseguido com as
energias próprias do desejo, capazes de inventar diante dos impasses
surpreendentes que os impossíveis contemplam.
*DOUTORA
EM PSICOLOGIA COGNITIVA PELA UNIVERSIDADE DE PARIS