01
de abril de 2012 | N° 17026
VERISSIMO
Contículos
Uma porta bateu no fundo da casa, acordando
a velha que cochilava na sua cadeira de balanço.
– Que foi isso? – perguntou a velha.
– Foi o vento, vovó.
A velha fechou os olhos outra vez e
resmungou:
– Mal-educado.
O herói
Grande alvoroço em Tenente Abreu. Dera no
jornal: filho da cidade ferido no Afeganistão. Tenenteabreusense atingido por
uma bala no pé. Quem era e o que estava fazendo no Afeganistão? Ninguém sabia.
Chegou uma equipe da Globo na cidade para entrevistar parentes e amigos, talvez
antigas namoradas, do brasileiro ferido.
Não
encontrou ninguém que se lembrasse dele. Não seria o filho do barbeiro, aquele
que emigrara para os Estados Unidos? Ele talvez tivesse se alistado no exército
americano. O próprio barbeiro negou.
Seu
filho Jorge trabalhava numa pizzaria em Nova York e nunca chegaria perto do
Afeganistão. Foram procurar no registro de nascimentos. Lá estavam o nome dele
– Jorge Souza Alvarenga – e do pai, Pedro, e da mãe, Dulce.
Mas
ninguém se lembrava nem do pai nem da mãe. Havia um Pedro Alvarenga na cidade
mas este nunca se casara e suspeitava-se até que fosse um pouco gay. Começaram
a surgir rumores. Jorge e sua família teriam saído de Tenente Abreu quando ele
ainda era criança.
Jorge
se ferira numa ação heroica e seria condecorado pelos americanos. Jorge era
casado com uma americana, possivelmente uma modelo. Alguns já especulavam sobre
como seriam a mulher e os filhos do herói, todos loiros.
O noticiário do Afeganistão não ajudava.
Dava poucos detalhes sobre o ocorrido. Só dizia que Jorge perdera o pé, estava
bem mas continuava hospitalizado. Nasceu um movimento na cidade: trazer Jorge
para Tenente Abreu. Se não como uma volta à casa, como uma passagem triunfal
pela sua cidade natal.
Um
desfile em carro aberto pela Voluntários da Pátria, com a mulher e os filhos
loiros, exibindo a sua medalha, seguido de uma recepção na prefeitura. Houve
até quem sugerisse que se mudasse o nome da cidade, de Tenente Abreu para Jorge
Alvarenga. Ou, se por uma feliz coincidência o grau militar fosse o mesmo,
Tenente Alvarenga.
Foi quando o Jornal Nacional deu que Jorge
fora ferido longe da frente de batalha, numa ação policial contra o trafico de
drogas. Ele estava no Afeganistão comprando ópio e sairia do hospital direto
para a prisão.
Grande frustração em Tenente Abreu. Mas nas
rodas de conversa em frente ao Café Novo, o mais antigo da cidade, as opiniões
se dividiam. Uma facção achava que as homenagens ao Jorge deveriam ser
mantidas, mesmo sem a sua presença. Bem ou mal, ele botara o nome da cidade no
noticiário internacional. Viera até a TV Globo!
– E afinal – disse um – alguém sabe quem
foi o Tenente Abreu?
Ninguém sabia.
Salada de chuchu
Marília disse a João:
– Tô indo.
– Como, “tô indo”?
– Cansei, João. Entendeu? Cansei.
– Mas Marília, logo hoje, dia de rabada com
nhoque?
– Para estas coisas não se escolhe dia.
– Marilhinha...
– Tem salada de chuchu na geladeira. Tchau.
Tenente Abreu nunca mais seria a mesma depois
da chegada de Jorge à cidade.