sábado, 31 de março de 2012



01 de abril de 2012 | N° 17026
VERISSIMO

Contículos

    Uma porta bateu no fundo da casa, acordando a velha que cochilava na sua cadeira de balanço.

    – Que foi isso? – perguntou a velha.

    – Foi o vento, vovó.

    A velha fechou os olhos outra vez e resmungou:

    – Mal-educado.

O herói

    Grande alvoroço em Tenente Abreu. Dera no jornal: filho da cidade ferido no Afeganistão. Tenenteabreusense atingido por uma bala no pé. Quem era e o que estava fazendo no Afeganistão? Ninguém sabia. Chegou uma equipe da Globo na cidade para entrevistar parentes e amigos, talvez antigas namoradas, do brasileiro ferido.

Não encontrou ninguém que se lembrasse dele. Não seria o filho do barbeiro, aquele que emigrara para os Estados Unidos? Ele talvez tivesse se alistado no exército americano. O próprio barbeiro negou.

Seu filho Jorge trabalhava numa pizzaria em Nova York e nunca chegaria perto do Afeganistão. Foram procurar no registro de nascimentos. Lá estavam o nome dele – Jorge Souza Alvarenga – e do pai, Pedro, e da mãe, Dulce.

Mas ninguém se lembrava nem do pai nem da mãe. Havia um Pedro Alvarenga na cidade mas este nunca se casara e suspeitava-se até que fosse um pouco gay. Começaram a surgir rumores. Jorge e sua família teriam saído de Tenente Abreu quando ele ainda era criança.

Jorge se ferira numa ação heroica e seria condecorado pelos americanos. Jorge era casado com uma americana, possivelmente uma modelo. Alguns já especulavam sobre como seriam a mulher e os filhos do herói, todos loiros.

    O noticiário do Afeganistão não ajudava. Dava poucos detalhes sobre o ocorrido. Só dizia que Jorge perdera o pé, estava bem mas continuava hospitalizado. Nasceu um movimento na cidade: trazer Jorge para Tenente Abreu. Se não como uma volta à casa, como uma passagem triunfal pela sua cidade natal.

Um desfile em carro aberto pela Voluntários da Pátria, com a mulher e os filhos loiros, exibindo a sua medalha, seguido de uma recepção na prefeitura. Houve até quem sugerisse que se mudasse o nome da cidade, de Tenente Abreu para Jorge Alvarenga. Ou, se por uma feliz coincidência o grau militar fosse o mesmo, Tenente Alvarenga.

    Foi quando o Jornal Nacional deu que Jorge fora ferido longe da frente de batalha, numa ação policial contra o trafico de drogas. Ele estava no Afeganistão comprando ópio e sairia do hospital direto para a prisão.

    Grande frustração em Tenente Abreu. Mas nas rodas de conversa em frente ao Café Novo, o mais antigo da cidade, as opiniões se dividiam. Uma facção achava que as homenagens ao Jorge deveriam ser mantidas, mesmo sem a sua presença. Bem ou mal, ele botara o nome da cidade no noticiário internacional. Viera até a TV Globo!

    – E afinal – disse um – alguém sabe quem foi o Tenente Abreu?

    Ninguém sabia.

    Salada de chuchu

    Marília disse a João:

    – Tô indo.

    – Como, “tô indo”?

    – Cansei, João. Entendeu? Cansei.

    – Mas Marília, logo hoje, dia de rabada com nhoque?

    – Para estas coisas não se escolhe dia.

    – Marilhinha...

    – Tem salada de chuchu na geladeira. Tchau.

    Tenente Abreu nunca mais seria a mesma depois da chegada de Jorge à cidade.