segunda-feira, 26 de março de 2012

O CIÚME
Martha Medeiros

ESTAVA NUM RESTAURANTE almoçando com duas amigas. Na mesa ao lado havia um homem e uma mulher que não pareciam ter intimidade um com o outro, mas era um homem e uma mulher, o que basta para levantar suspeitas.

Então uma garota entrou no restaurante com a empáfia das muito belas e muito jovens, parou em frente ao casal, pegou um copo de guaraná que estava em cima da mesa (olha a inocência, nem álcool estavam bebendo) e derramou em cima da cabeça do cavalheiro. Serviço feito, virou as costas e saiu.

O homem pediu licença para ir ao banheiro e a mulher que o acompanhava acariciou nervosamente os próprios cabelos, aliviada por ter tido sua chapinha preservada. Quando eu e minhas amigas chamamos o garçom para pedir a conta, perguntamos se o couvert artístico estava incluído. Ele disse que já havia visto umas cinco ou seis cenas parecidas com esta em sua carreira profissional, já nem se espantava mais.

Eu não só me espanto como fico fascinada. Homens virando a mão na cara da mulher porque ela está dançando com um amigo. Mulheres furando os pneus do carro do namorado porque desconfiam que estão sendo traídas. Homens proibindo mulheres de usar decotes.

Mulheres picotando as roupas do marido e as jogando pela janela. O enredo se repete, mas não enjoamos: somos eternas crianças, gostamos de ouvir as mesmas histórias. No caso, a história de uma possessão. Ainda que ciúme não seja só possessão.

Você é meu, você é minha. Na verbalização, acho romântico, carinhoso, quase uma homenagem. Mas na hora de levar para a prática, é desastre na certa. Como viver sem poder conversar com alguém do sexo oposto e sem poder exercer sua liberdade de ir para onde quiser?

Como conviver com a falta de humor e ter que dar explicação a cada cinco minutos de atraso? De amor isso não tem nada. Mas os casais seguem decorando os mesmos textos e perpetuando este teatro, porque não se trata apenas de possessão, e sim de algo muito mais necessário e inflamável: sexo.

O medo de perder seu amor, o pânico de ser passado pra trás, o desespero de repartir o que é seu com outra pessoa, tudo isso gera uma ansiedade que corrói as relações, mas também excita. Já flagrei pessoas que não são tão ciumentas assim, mas fazem todo o mise-en-scène para garantir um fim de noite animado. É quando a briga serve de afrodisíaco.

Devo também já ter feito alguma ceninha de ciúme para ser recompensada com um beijo demorado, mas isso se faz nos inícios de namoro: são testes de poder, frescuras românticas. Depois enche. E fica perigoso. Você passa a depender deste tipo de recurso para confirmar o nível de interesse do outro, e aí pode perder o timing : perpetuar uma situação que antes era sexy, mas que agora é apenas indigesta.

O tempo passa, a gente amadurece e chega uma hora em que não achamos mais graça em ser vigiados, controlados. O ciúme até pode permanecer entre o casal, mas é preciso que seja administrado em silêncio ou, no máximo, manifestado como um tempero alegre e inofensivo. Já não cabe drama.

Pode reparar. Casais cujo erotismo dependia de uma performance de tirania acabaram virando, com o tempo, habitués do inferno. Transam, ainda. Mas perderam toda a capacidade de se divertir fora da cama.
martha.medeiros@oglobo.com.br