sexta-feira, 14 de agosto de 2015


14 de agosto de 2015 | N° 18261
CIDADE CINZA

A grande obra do destino

METRÓPOLE PAULISTANA é personagem de filme sobre arquiteto desestabilizado por macabra descoberta


Ao abandonar o curso de Arquitetura para se dedicar ao cinema, o diretor paulista Gregório Graziosi passou a exercitar a construção de narrativas visuais com as ferramentas de uma forma milimetricamente planejada, imprimindo em seus curtas-metragens um rigor estético singular. Graziosi, porém, procura não fazer desse recurso uma afetação estéril em seu primeiro longa, Obra, uma das estreias da semana em Porto Alegre. Mas transita sobre uma margem de risco, calculado na sua proposta de diálogo com o espectador.

Apresentado em preto e branco, com enquadramentos de ângulos inusitados, emoldurados quase sempre por uma câmera estática, Obra sugere ser um drama existencial permeado por um suspense policial. Irandhir Santos interpreta um arquiteto que vive na metrópole paulista com a mulher grávida do primeiro filho deles. No terreno de sua família, ele acompanha um grande projeto seu. Em meio às escavações, são encontradas ossadas humanas.

Existe primeiro a impressão de os restos mortais decorrerem dos sítios arqueológicos que costumam aflorar no processo de urbanização da cidade. Mas, ao ser encontrada ali uma carteira com fotos, o arquiteto se vê tomado por um desconcertante impasse, sobretudo por se sentir pressionado pelo mestre de obras (papel de Julio Andrade).

Graziosi não mostra interesse em desenvolver o suspense. A postura nebulosa do pai do arquiteto e a incomunicabilidade de seu avô senil, dono do terreno, colaboram para a suposição de crimes soterrados (vítimas da ditadura, velhos desafetos da família, quem sabe). Ao diretor interessa explorar a relação de seu protagonista com o caótico ambiente de concreto que o cerca – não por acaso, é apenas ao olhar para cima, rumo ao afresco religioso em restauração que supervisiona, que o arquiteto parece encontrar conforto.

Irandhir Santos, como tem sido recorrente em sua múltipla presença no cinema brasileiro com perfil independente, entrega uma atuação vigorosa, que chega a ser performática pelo uso que faz de seu corpo, quando uma dor nas costas limita seu movimentos e a desorientação psicológica faz vaguear seus passos.

Na atenção que dedica ao desenho de som e na exploração que busca no contraste entre o preto e o branco, Graziosi parece ter como objetivo ressaltar a zona cinzenta das aflições humanas. Digressões como as falas em inglês da mulher do protagonista, mesmo sendo ela estrangeira, parecem, sim, um tropeço na afetação. Dissipada a atmosfera onírica visualmente estimulante, cabe ao espectador identificar o que tem de sólido ou no que é frágil esse ambiente literalmente fantástico que Graziosi projeta em Obra.

marcelo.perrone@zerohora.com.br