sábado, 29 de agosto de 2015




30 de agosto de 2015 | N° 18279 
MARTHA MEDEIROS

A teoria do cachorro molhado

Gatos não gostam de banho, é sabido. O meu detesta. Outro dia o deixei numa pet shop para uma ducha completa e, duas horas depois, meu telefone tocou: eram os funcionários se desculpando, pois não haviam conseguido cumprir a missão. Haviam colocado o Nero numa jaulinha aguardando sua vez, e quando a vez chegou ele virou um tigre. Um tigre com dor de dente e pedra no rim, ninguém conseguiu encostar na fera. Saiu da pet shop tão imundo como entrara.

Quando a coisa aperta, o jeito é apelar para fórmulas caseiras. No dia seguinte, estávamos eu e minha filha conversando na cozinha quando vimos que Nero havia saltado para dentro do tanque da área de serviço a fim de lamber algumas gotas de água que sobraram por ali. Nem ao menos traçamos um plano verbal: bastou uma troca de olhares entre mim e ela para sabermos o que deveria ser feito. Me aproximei, abri a torneira bem devagarzinho e deixei cair um filete sobre a cabeça do bichano. Para nossa surpresa, não houve reação. 

Então passamos um sabonete líquido de uma forma meio disfarçada, como se estivéssemos fazendo um cafuné, até que tivemos que abrir mais a torneira para retirar o sabonete, e aí começou a selvageria. Pouparei você dos detalhes, já bastam as notícias catastróficas dos jornais. O que posso dizer é que Nero se sentiu traído, violentado, agredido, surrupiado em seus direitos. Mostrou as garras e jurou ódio eterno à família.

No entanto, o ódio eterno não durou nem três minutos, graças ao seu recurso de secagem instantânea. Não foi preciso enxugá-lo com uma toalha, ele preferiu fazer o serviço sozinho enquanto andava pela casa. Usou a teoria do cachorro molhado, que serve para gatos também: uma boa sacudida resolve.

Bem que podia ser assim conosco, seres de duas patas. Quer se livrar do que não lhe serve, quer tirar de cima um encosto, quer liberar-se do que é pegajoso, grudento, insatisfatório? Uma boa agitada na cabeça, tronco e membros, como se estivesse recebendo um passe. Pronto. Igualzinho como a gente faz quando sai da piscina, quando encontra refúgio numa marquise para fugir da chuva, quando escapa de uma nuvem de poeira. Abanar-se, arejar a roupa do corpo com umas puxadinhas, agitar os cabelos de um lado para o outro, até que o que não lhe pertence descole de você.

Funciona com água, poeira, fuligem, areia. Mas deveria funcionar também para mágoas, maus pensamentos, paranoias. Uma chacoalhada e xô, vai tudo embora, nos deixando zero bala de novo. Sem precisar da ajuda de Freud, Lacan, Jung, apenas adotando a teoria do cachorro molhado. Tente, às vezes a gente consegue. Uma boa sacudida e o ódio eterno por tudo e todos não excede mais do que três minutos.