sábado, 29 de agosto de 2015



29 de agosto de 2015 | N° 18278 
CLÁUDIA LAITANO

Cidades invisíveis


Acaba de ser lançado no Brasil pela editora Carambaia, em edição de luxo e numerada, o livro Salões de Paris, volume que reúne as crônicas mundanas de Marcel Proust (1871-1922). Publicados originalmente em jornais, muitas vezes sob pseudônimo, para não queimar o filme do aspirante a escritor sério, os textos falam de moda, costumes e maledicências cotidianas em geral, mas também de arte, literatura e política – nada muito diferente do que os cronistas de amenidades fazem hoje em dia, com um pouquinho mais de estilo talvez.

O escritor aproveitaria muito dessa rotina de locomotiva social (nunca teve um emprego fixo na vida) para recriar o ambiente onde se movem os personagens de sua obra-prima, Em Busca do Tempo Perdido. No livro, as idiossincrasias da aristocracia francesa do final do século 19 ganhariam densidade e profundidade psicológica. 

O narrador já não era mais o garoto deslumbrado com duquesas, barões e seus salões refinados, mas um homem maduro lidando com as perdas e a decadência que o tempo costuma impor. Viu nobres decaírem, novos ricos ascenderem, mulheres lindas ficarem caducas, homens invejados tornarem-se figuras dignas de pena. Tudo o que um dia fora sólido desmanchava-se no ar – e em breve duquesas, barões, seus criados e ele mesmo estariam todos juntos embaixo da terra.

O tempo achata tudo o que não é presente ou futuro em uma única dimensão – das pirâmides do Egito à casa da nossa infância. Por conta disso, a Paris da juventude de Proust e a Porto Alegre da minha dividem hoje o mesmo continente imaginário. Há pistas nas cidades que as substituíram, mas boa parte delas se perdeu, morreu ou foi derrubada (muito mais aqui do que lá, infelizmente). 

Foi o que pensei nesta semana enquanto assistia ao documentário Um Filme sobre o Bom Fim, do diretor Boca Migotto. A certa altura da vida, percebemos que os cenários da nossa juventude vão desaparecendo, como uma estampa em um tecido exposto muito tempo ao sol. No caso do meu Bom Fim, o Escaler, a rádio que deixou de existir, o cinema que fechou as portas, tudo isso permanece arquivado na memória afetiva de muita gente, mas está desbotando.

No final de Em Busca do Tempo Perdido, o narrador percebe que só há um jeito de manter vivos para sempre os salões mais chiques de Paris – assim como duquesas, barões e a sua juventude: transformando as memórias individuais em patrimônio coletivo. Um Filme Sobre o Bom Fim faz mais ou menos isso por aquela Porto Alegre ingênua e rebelde dos anos 80. A nostalgia do espectador talvez seja menos do bairro do que de si mesmo. Como todas as nostalgias, essa é também apenas de fachada. Mas não é sempre que um filme pode prometer para boa parte do seu público: acomode-se na poltrona, abra os olhos e volte no tempo.