sábado, 15 de agosto de 2015


RUTH DE AQUINO
14/08/2015 - 21h05 - Atualizado 14/08/2015 21h05

A guerra aos fuzis do tráfico


Os bandidos voltaram a tocar o terror. Prisões espetaculares não podem ser conquista passageira

A cidade olímpica, o Rio de Janeiro, não conseguirá despoluir a Baía de Guanabara tão cedo (vexame!), mas tem condições de reduzir os tiroteios de fuzis, os roubos espetaculares de carga, as explosões de caixas de banco e as invasões de conjuntos do Minha Casa Minha Vida por quadrilhas de traficantes de drogas. Esses bandidos voltaram a tocar o terror numa ousadia sem limites, expondo-se em redes sociais, em praças, piscinas e em vídeos de seus crimes.

O Rio só conseguirá um ambiente de relativa paz urbana se garantir, primeiro a curto prazo, algumas condições. Uma delas é a integração real e eficiente das três polícias, Federal, Civil e Militar. Também precisa ser punida duramente – e não só com a expulsão da corporação ou o afastamento para funções administrativas – a promiscuidade entre policiais e bandidos, acabando com o “arrego”, a propina paga por traficantes a policiais corruptos. E as leis e a Justiça precisam ser muito mais rigorosas com o crime organizado. Nossas leis hoje protegem bandidos – sem e com farda. Nossa Justiça os solta, muito antes de eles prestarem contas à sociedade por seus crimes.

Dois dos seis chefões do tráfico presos pelo Bope na semana passada, o Claudinho e o Fu da Mineira, numa operação exemplar sem um tiro disparado, já tinham sido presos antes. Estavam em Porto Velho, Rondônia, pela alta periculosidade. Fu tinha sido condenado a 90 anos de prisão, mas, após cinco meses atrás das grades, ganhou sete dias de liberdade para “visitar a família”. 

Nunca voltou. Por bom comportamento, os traficantes desfrutam de regime semiaberto e aproveitam para se tornar foragidos. Voltam a ser caçados. A polícia volta a oferecer recompensas de até R$ 50 mil, como era o caso de Playboy, morto em ação coordenada pela Polícia Federal no sábado. Isso não dá, não faz sentido! Em todo o país, vemos quadrilhas de assaltantes presos na televisão, vários deles usando tornozeleiras eletrônicas! É uma desmoralização total.

Outra medida urgente é endurecer o Estatuto do Desarmamento, que muitos querem “flexibilizar”, como se distribuir armas fosse garantia de menos homicídios. Uma inversão total de valores. O Estatuto tem de ser muito mais rígido quando alguém portar arma de uso restrito das Forças Armadas. Fuzis que podem derrubar helicópteros e causar estrago a uma distância de 4 ou 5 quilômetros estão espalhados e escondidos em arsenais nas favelas do Rio. Pela primeira vez, além dos carregadores e das 800 munições, foi apreendido em território brasileiro um fuzil calibre .50, do Exército americano.

Não estamos nem falando aqui de tráfico de drogas – mas de assaltos à mão armada, homicídios, balas perdidas, explosões e incêndios. Numa palavra, terror. Como não víamos no Rio havia muito tempo prisões e mortes de bandidos com essa reputação e poder de comando, perguntei ao secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, se algo mudou na orientação de combate ao tráfico. A semana terminou com a morte de Jean Piloto, um dos prováveis sucessores de Playboy, com um tiro de fuzil disparado pela polícia.

“Poderíamos ter pegado todos antes”, diz Beltrame. “Mas não se pode prender uma quadrilha fortemente armada numa rua movimentada, sexta-feira à noite. O que determinou a caçada a esses bandidos foi saber que estavam criando um novo Complexo do Alemão em outra área, o Chapadão. Iam invadir a Maré. Tinham trazido de Minas Gerais dinamite para estourar caixas eletrônicos. 

Não me importam os nomes dos bandidos. Pode ser Bem-Te-Vi ou Periquito, Beira-Mar ou Beira-Rio, Playboy ou sei lá o quê. Tem mais uma penca deles para prender e surgirão outros. O que me importa é diminuir índices de criminalidade, de roubo, de homicídios,  melhorar a sensação de segurança da população”, diz Beltrame ao telefone a ÉPOCA.

Sobre o assédio dos traficantes a moradores do Minha Casa Minha Vida, Beltrame afirma: “Os projetos são feitos, mas não somos consultados. Se os empreendimentos fossem combinados com a Secretaria de Segurança, eu mudaria os planos de ocupação policial. Há mais de 100 empreendimentos em discussão, que eu saiba, mas precisamos de união para escolher os lugares certos”.

Segurança funciona assim, diz Beltrame e assino embaixo. Primeiro, a fronteira. Segundo, as políticas sociais para a juventude, a família, a mãe. Depois, o legislador e a polícia. O Ministério Público. A Justiça. O sistema penitenciário. O Estado. A falta de integração, de compromisso e de um pacto federal contra a violência é nosso inimigo público número um. E faz das prisões espetaculares uma conquista passageira e ilusória.