segunda-feira, 24 de agosto de 2015



24 de agosto de 2015 | N° 18272 
MOISÉS MENDES

Dupla farsa


Eduardo Cunha e Fernando Collor foram denunciados ao Supremo na mesma semana. São figuras com tantas semelhanças, que poderiam sentar e conversar sobre acasos e coincidências. Collor elegeu-se presidente em 1989 porque seria o grande moralizador pós-ditadura.

Collor caçaria marajás e corruptos e evitaria que Brizola, Lula e até Ulysses chegassem ao poder. Inventaram um Collor imbatível em poucos meses. Muita gente se especializou em Collor para montar a farsa.

Poucas atividades são tão expostas à avaliação pública quanto a imprensa, mas o jornalismo resistiu por um bom tempo a admitir a sua parte nisso tudo. Jornalistas são implacáveis com a conduta de políticos, jogadores de futebol, professores, padres, pastores, arquitetos, policiais, advogados e papas, mas se protegem entre si no argumento de que é chato falar de colegas.

O corporativismo tem suas desculpas. Pois Collor foi, sim, uma invenção embelezada por colegas meus, alguns famosos, todos tratados com desdém e deboche no livro Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti. Quem ajudou a inventar Collor e constrangeu vergonhosamente o próprio jornalismo deveria ter a coragem de embalá-lo e admitir que errou (ou que tentou acertar...).

O mesmo vale para a turma de Cunha. Os que forjaram Collor também investiram pesado em Cunha. Há apenas quatro meses, o deputado foi capa de uma revista que anunciava: “A súbita força de Eduardo Cunha”. Logo abaixo, estava escrito: “quem é, o que pensa e qual é o jogo do presidente da Câmara dos Deputados, que se tornou o político mais poderoso do Brasil”.

Collor, em 1989, e Cunha agora eram tão verdadeiros quanto o leite que você bebe. O ex-político mais poderoso do Brasil, sabe-se há muito, usa a religião (está na denúncia do MP ao Supremo) para camuflar suas ações.

O acaso pôs Collor e Cunha lado a lado, na mesma semana, nas denúncias da Procuradoria-Geral da República. Os dois só prosperaram com a ajuda dos que os enfeitaram como estadistas.

Collor chegou lá. Cunha se quebrou no caminho, apesar de alguns admiradores insistirem que ainda não se entregou. Cunha não contava com a conspiração de algum demônio ardiloso ou sua fé é vacilante.

Quem se candidata a ser a próxima invenção dos prestativos de plantão? Se é que a máquina de produzir farsas moralistas não está seriamente avariada.