17 de agosto de 2015 | N° 18264
MOISÉS MENDES
Cena na ciclovia
Um homem foi insultado porque sentou-se na ciclovia de Ipanema. Os carros desviavam de uma obra na rua e passavam sobre o espaço. Ele achou que não deveriam. Desceu da bicicleta e trancou o trânsito. Foi na sexta-feira.
Os carros não eram muitos, mas a turma que vaiava o homem era encorpada. Surgiram, de todos os lados, os donos de Ipanema. Uma moça, que dizia odiar gente radical, gritava:
– Eu sou moradora do bairro, tu não é morador daqui, tu não manda no bairro.
O homem não estava apenas tumultuando o trânsito, ele se apoderava do que não era dele. Moradores, certamente tradicionais, se sentiam ofendidos por alguém que passava por ali eventualmente.
Um deles deu um carteiraço. Estava de bermuda, sem camisa, mas avisou que seu carro era “emblemado”. E só porque estava num carro emblemado (dos corsários, dos templários, dos herdeiros da Coroa?) não iria tirar o homem sentado no chão:
– Eu só não vou fazer nada pra ti porque estou com um carro emblemado. Se eu não estivesse, eu ia te tirar daí.
Um outro, aparentemente sem emblemas, chegou questionando a turma:
– Mas ninguém tem coragem de tirar essa bicicleta?
Nem ele teve. Mais outro, que andou por ali, saiu e voltou, definiu o ciclista:
– Tu é um babaca, tu é um otário, tu pensa que é progressista, tu é um otário.
E teve mais um que ajudou a rebaixar as definições:
– Tu é um trouxa, tu é um merda.
O melhor desempenho foi o do fortão que ameaçou agredir o homem e, com a boca a um palmo do seu rosto, gritou:
– Chinelo, drogado.
A turma racional, disposta a enfrentar os abusos de um radical, montou numa sexta-feira, à beira do Guaíba, a cena do país destes tempos de tensão. Se alguém fosse montar uma peça do Brasil de hoje, neste agosto veranil, aquele era o cenário.
A prefeitura, incapaz de desviar o trânsito do lugar, seria protagonista. Por que não permitir acesso apenas aos moradores, enquanto a obra era feita? Porque, devem pensar, ciclovias não são espaços nobres a ponto de impedir a liberdade dos carros.
Os outros atores eram os donos do pedaço, como devem ser os herdeiros das capitanias. E o homem do protesto estava ali, por definição de um dos valentes, como o chinelão. Era o cozinheiro Eduardo Cambraia Costa, de 44 anos, vizinho de Ipanema, morador do Guarujá.
Para ver o vídeo, faça busca no Google com o nome de Eduardo. Não se ouve ali uma voz a favor do cozinheiro. E dizer que os sensatos seriam os que detêm a sabedoria de se contrapor aos radicais.
