sexta-feira, 9 de junho de 2017



09 de junho de 2017 | N° 18867 
CLÁUDIA LAITANO

Aqui não, violão

É cada vez mais comum que discussões graves brotem do esforço, mais ou menos bem-sucedido, para ser engraçado – talvez porque nunca, antes, tanta gente tenha dedicado tanto tempo a criar, compartilhar e consumir piadas. Junto com o sexo, o humor é hoje um dos tópicos mais populares da internet. E é no humor (e às vezes também no sexo) que se manifestam idiossincrasias que, em outras circunstâncias, talvez nunca viessem à luz.

As dúvidas surgem quando a mesmíssima piada, boa ou ruim, é considerada inofensiva por uns e intolerável por outros. Defender a liberdade de expressão implica defender o direito inalienável à zoeira? Como decidimos que determinado assunto é sensível demais para virar material de piada? Existe diferença entre ser racista e compartilhar uma piada racista? Qual é?

Nos últimos dias, três episódios envolvendo alunos e professores, dois nos Estados Unidos e um no Brasil, chamaram a atenção para o grau de sensibilidade do assunto, principalmente quando crianças e adolescentes estão implicados. 

1) No Rio Grande do Sul, a festa “se nada der certo”, promovida em uma escola particular, associou profissões como faxineiro e balconista com uma vida de segunda categoria, derrotada pelo destino. Não pegou bem. 

2) No Texas, uma professora do Ensino Fundamental distribuiu aos alunos prêmios como “o mais inclinado a se tornar um terrorista” e “o mais inclinado a se misturar com gente branca”. Foi demitida. 3) Em Harvard, 10 jovens que haviam acabado de ser aprovados pela universidade compartilharam, em um grupo fechado do Facebook, memes antissemitas e com sugestões de pedofilia. Perderam as vagas.

Um garoto inteligente o suficiente para ser selecionado por Harvard sabe exatamente o que está fazendo quando tenta extrair graça do preconceito ou da violência: está colando na testa um cartazinho escrito “sou um babaca”. Se uma universidade como Harvard começa a aceitar alunos que acham divertido bancar o idiota, das duas uma: ou o sistema de seleção é muito falho, ou a direção não considera assim tão grave que alunos façam piadas sobre Holocausto ou abuso de crianças. A resposta de Harvard foi curta e rápida: aqui não, violão.

A liberdade de expressão, inclusive dos idiotas, é um valor a ser defendido, em princípio, mas todas as opiniões (e piadas) estão sujeitas a consequências, como aconteceu agora em Harvard. A decisão da universidade foi histórica e pode servir de exemplo para outras instituições em situações parecidas. 

Por outro lado, o episódio deixou claro que, em tempos de redes sociais, o que acontece em Vegas nunca fica em Vegas. Toda e qualquer manifestação, no chat privado do Facebook ou no WhatsApp da família, está sujeita a tornar-se pública em algum momento. Ou seja: você é o que você posta e já não há diferença entre “ser babaca” e “parecer babaca”.

Se é que um dia houve.