quinta-feira, 29 de junho de 2017



29 de junho de 2017 | N° 18884 
L.F. VERISSIMO

Nola

Um evento familial (o casamento de um sobrinho) nos levou a passar alguns dias em New Orleans, recentemente. “Nola”, como dizem os nativos, é uma cidade peculiar, nada a ver com qualquer outra cidade americana. A começar pela sua origem francesa, antes de o Estado de Louisiana ser comprado pelos Estados Unidos, quando se chamava Nouvelle-Orleans e já era uma sociedade multicultural, com a predominância de franceses e espanhóis. A principal característica deixada pelos colonizadores europeus na cara da cidade foi a quantidade de sacadas de ferro moldado do bairro velho, o “French Quarter”. 

E a principal herança deixada na cidade pela escravatura foi a quantidade de afrodescendentes na sua população atual. A influência negra foi importantíssima na identidade cultural de New Orleans, o que não impediu que os negros continuassem a ser uma classe discriminada. Quando o furacão Katrina atingiu a cidade, há alguns anos, atingiu com mais força regiões pobres, e a demora em providenciar ajuda a sua maioria afro ficou como uma das manchas do governo Bush, cobrada até hoje.

Um passeio de bonde por uma das avenidas residenciais de New Orleans passa por mansões da época em que grandes fortunas eram construídas em cima do trabalho escravo. Você pode imaginar seus donos sentados na sacada colunada bebendo drinques de menta com uma escrava lhe abanando os pés. 

Não, não vi nenhum bonde cujo destino era Desejo, para lembrar o filme de Elia Kazan com o Marlon Brando de camiseta suada e gritando “Stela!”. O suor do Marlon Brando no filme é compreensível: a cidade, construída em cima de pântanos, é quente o ano todo.

New Orleans foi o berço do jazz, e a cidade, eminentemente racista, deu ao fato o reconhecimento devido. A começar pelo aeroporto, chamado Louis Armstrong, com uma imensa estátua do trompetista recebendo os visitantes. Nas ruas do Quarteirão Francês, os bares ficam com as portas generosamente abertas para você ouvir o que se passa lá dentro. 

No famoso Preservation Hall, um grupo de senhores toca o autêntico “New Orleans Jazz”. Ou não tão autêntico assim. Como era tocado em desfiles, o jazz original não podia ter contrabaixo, substituído pela tuba, nem piano. E no “Preservation Hall” havia contrabaixo, e uma incongruente mocinha oriental tocando piano.