quarta-feira, 14 de junho de 2017



14 de junho de 2017 | N° 18871 
DAVID COIMBRA

Cleópatra era linda

Se tem coisa que me irrita é essa mania de dizer que Cleópatra era feia. Não falem mal de Cleópatra na minha frente! Gente sem noção.

Tempos atrás, uns arqueólogos descobriram moedas com a efígie dela e, a partir da figura gravada, tiraram essa conclusão. Agora me diga: como é que alguém vai dizer se uma pessoa é bonita ou não com base em uma efígie de moeda? E uma moeda cunhada há mais de 2 mil anos! Se nem nas fotos das redes dá para confiar...

Muitos falam do nariz de Cleópatra. Na verdade, ninguém sabe exatamente como era o nariz dela. Essa história do nariz é culpa de Pascal, que, quase 1,7 mil anos depois de a áspide ter picado o seio rijo e macio da rainha, disse, cheio de pompa:

“Se o nariz de Cleópatra fosse menor, toda a história do mundo seria diferente”.

Pascal não sabia qual era o tamanho do nariz de Cleópatra. Ele estava apenas ressaltando o poder do indivíduo na História com agá maiúsculo, com o que concordo plenamente. Às vezes, a vontade de um faz diferença para todos – para o bem ou para o mal. O mundo é governado pelas minorias, às vezes mínimas minorias, porque as maiorias silenciosas... bem, elas ficam em silêncio.

É muito difícil dizer como era a aparência de alguém que viveu há 20 séculos, a não ser que os escultores tivessem se ocupado desse personagem. Júlio César, um dos amantes de Cleópatra, por exemplo, era careca. Os legionários cantavam, marchando por Roma: “Segurem suas mulheres, o calvo adúltero vem aí”.

O calvo adúltero era César. Pois esse homem sensual, que gostava de seduzir mulheres, deixou-se seduzir por Cleópatra. Teve um filho com ela e levou ambos para viver em Roma, escandalizando a cidade e enfraquecendo sua posição política. César arriscou o poder e a vida por amor à rainha do Egito.

O segundo homem mais poderoso do mundo, depois de César, era Marco Antônio. E este homem descrito como amante da vida mundana também se tornou escravo da paixão por Cleópatra. Tiveram gêmeos, planejaram dominar o mundo juntos. Não deu certo porque enfrentaram Otávio, que não cedia a paixões fáceis ou difíceis ou médias. Otávio amava o poder. Marco Antônio, assim, acabou cumprindo o destino que parecia reservado a seu antecessor: morreu por causa de Cleópatra.

Há outros homens nessa história, mas, se você levar em consideração apenas esses dois, entenderá que Cleópatra não podia ser um bagulho como afirmam seus detratores modernos. Tinha de ser de alguma forma atraente, ou não conquistaria homens que podiam conquistar qualquer mulher.

Trata-se de uma tentativa tola de provar que uma mulher poderia vencer tão somente por sua inteligência e habilidade política. Ora, é óbvio que Cleópatra tinha inteligência e habilidade política, mas sua capacidade de usar a beleza física como um trunfo a mais reforça essas qualidades, não as diminui.

Não tenhamos preconceito contra a beleza, afinal.

Escrevi sobre a aparência de Cleópatra, quando queria ter escrito sobre sua origem. Porque a última rainha dos egípcios não era egípcia; era grega. Isso tem a ver conosco. Vou contar por que na próxima crônica.