quinta-feira, 29 de junho de 2017



29 de junho de 2017 | N° 18884
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Festas julinas?

CELEBRAÇÃO DE SÃO JOÃO em julho também é festa junina

Houve um tempo em que as festas dedicadas aos três santos mais populares do Brasil – Santo Antônio, São João e São Pedro – eram, com a pontualidade de um relógio suíço, comemoradas nos dias 13, 24 e 29 de junho. Não é por acaso que elas caíam sempre nesta quadra do ano; na origem, elas eram grandes festas pagãs que saudavam a chegada do solstício de verão no Hemisfério Norte, mais tarde fagocitadas pelo calendário católico. Como ninguém pensaria em pular fogueira, dançar a quadrilha e encenar um casamento na roça em qualquer outro mês do ano, a denominação festa junina servia como uma luva.

Nos últimos dez anos, contudo, um certo senso prático terminou desvinculando a festa do seu dia correspondente na folhinha. Muitos lamentaram essa flexibilização, vendo nela um claro sinal de decadência das tradições; o certo é que, seja por conveniência ou por necessidade, a festa de São João hoje pode ocorrer em outros dias que não o 24 de junho, às vezes até invadindo o mês seguinte (vejo, com espanto, inveja, admiração – e com certo desânimo – que ela se estende ao longo de uma quinzena, quando não de um mês inteiro, em certos municípios do Norte e do Nordeste).

Como era de esperar, estas alterações cronológicas vieram criar uma indecisão quanto à maneira adequada de designar essas festas. Todos os anos – sem exagero – vêm leitores perguntar a mesma coisa: como devemos chamá-las? Dentre as várias consultas, costumo selecionar uma para, respondendo a ela, responder também a todas as demais.

Desta vez, a escolhida foi a de Solange W. de São Miguel do Oeste, SC. Ela informa que, por causa dos transtornos causados pelas últimas chuvas, a festa junina de seu colégio, que estava marcada para terça-feira, 27 de junho, teve de ser transferida para a semana seguinte, dia 4 de julho. 

Até aí, nenhum problema – a não ser que tiveram de fazer uma reunião para decidir que dizeres constariam nas faixas e nos cartazes. “Grande parte do grupo votou por julina; o resto achou que tinha de ficar junina, mesmo. Houve dois votos para juliana, e a diretora se retirou da reunião, sugerindo que escrevêssemos logo Festa de Julho. E o senhor, professor? O que o senhor escreveria na faixa? Disseram-me que o senhor é inimigo jurado de julina...”.

Mais ou menos, Solange; inimigo eu não sou – apenas acho que ela, apesar da boa intenção dos que a divulgam, é uma criação desnecessária e equivocada. A língua não gosta de supérfluos... O argumento dos que defendem julina não é absurdo; bastaria preencher a linha pontilhada: se a festa que ocorre em junho é junina, a que ocorre em julho deveria ser .... Sinto dizer, porém, que não é assim que acontece. O adjetivo junino há muito deixou de constituir uma simples referência ao mês do calendário e passou a designar um tipo muito especial de festa, com características muito bem definidas, com pequenas variações regionais de cardápio. 

Se algum de teus colegas quiser comemorar o aniversário de seu filhinho com uma típica festa junina, tenho certeza de que vai providenciar uma boa fogueira, vai soltar balão (com a devida prudência), vai contratar um bom D.J. sanfoneiro, servir quentão (para os adultos), pipoca, pé-de-moleque e pinhão (nos estados do Sul) – mesmo que o aniversariantezinho tenha nascido em maio, em julho ou em setembro.

Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.