quinta-feira, 15 de junho de 2017



15 de junho de 2017 | N° 18872 
L. F. VERISSIMO

O nome das coisas

“Everest” vem de “Evresta”, palavra em nepali que quer dizer “deusa do céu” e é, claro, o nome da montanha mais alta do mundo. Não é não. A história parece plausível, mas acabei de inventá-la. “Deusa do céu” é mesmo o nome dos nepaleses para a sua montanha sagrada, mas só eles sabem como se pronuncia. “Everest”, o nome oficial, vem de sir George Everest, líder da excursão inglesa que mapeou a região no século 19. Todo mundo se lembra, ou ouviu falar, de sir Edmund Hillary, o primeiro homem a chegar ao topo do Everest. Quantos se lembram, ou se importam, que seu acompanhante era um “sherpa” chamado Tenzing Norgay?

O primeiro homem a enxergar o novo mundo foi Rodrigo de Taina, vigia na Pinta, e ele teria direito ao prêmio prometido por Cristóvão Colombo a quem visse terra primeiro. Mas o comandante alegou que ele, Colombo, vira antes uma luminosidade que emanava da terra e assim pressentira a presença da América antes que ela aparecesse. 

Colombo ficou com o prêmio e a glória porque, afinal, a ideia de chegar ao Oriente pelo Ocidente era dele e porque a História era dos homens predestinados como ele, dos que davam nome às coisas, não dos Rodrigos e outros “sherpas” da vida. Quando Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas, fizeram como Colombo: apossaram-se de terras antes de vê-las. Já começaram colonizando uma hipótese.

Colombo pelo menos descobriu qual era o nome dos nativos para as coisas, o que não o impediu de dar nomes novos e de trazer tudo da história dos insignificantes para a sua. E isso que ele pensava que estava nas terras do Grande Khan, portanto estava se apossando de duas histórias, a dos selvagens e a do outro império. Cabral e a sua turma, que se saiba, nem se interessaram em descobrir se as coisas aqui já tinham nome. Nomearam o Everest, no caso o Monte Pascoal, antes de pisarem na praia.

Dar nome às coisas é possuí-las, a colonização começa pela linguagem. Depois se destroem nações inteiras e se vira a história dos outros de cabeça para baixo, como escreveu Montaigne num dos seus ensaios sobre a nossa conquista, “só pelo tráfico de pérolas e pimenta!”. O ponto de exclamação é dele.