sexta-feira, 9 de junho de 2017


09 de junho de 2017 | N° 18867 
DAVID COIMBRA

Conhece-te a ti mesmo

Fico entusiasmado quando descobrimos coisas a respeito do nosso passado. “Conhece-te a ti mesmo”, era a frase inscrita na entrada do Templo de Apolo, em Delfos, e foi o lema de Sócrates com certeza e talvez de Heráclito e Pitágoras, antes dele. Bem depois, Nietzsche mudou a frase e manteve o sentido, formulando aquela sentença que hoje está tatuada em douradas omoplatas femininas: “Torna-te quem tu és”.

Parece um conselho fácil, isso de você se conhecer, devido à longa convivência que você tem consigo mesmo. Mas que nada. Você vive se surpreendendo com você. Fosse simples, os psicanalistas não estariam ricos, e eles estão.

Conhecer a si mesmo, portanto, é a base da filosofia e da psicanálise.

Coisa importante.

Por isso, é animadora a recentíssima descoberta de que nós, Sapiens, somos mais velhos do que pensávamos. Cientistas alemães encontraram, no Marrocos, ossos humanos de 300 mil anos de idade. Até há pouco, os fósseis mais antigos eram de 200 mil anos.

Esses cem mil anos a mais têm vários significados. Um deles é que encolhe o percentual de tempo de vida civilizada na Terra. Antes, eram 190 mil anos de nomadismo e 10 mil anos de sedentarismo. Hoje sabemos que foram, no mínimo, 290 mil anos de existência nômade.

Você pode pensar que se trata de histórias velhas, que não têm nada a ver com temas importantes, como o aumento da conta de luz.

Errado. A luta entre nomadismo e sedentarismo representa um confronto eterno da humanidade, uma questão que o aflige desde sempre e sempre afligirá, mesmo que você não tome consciência dela. A seguinte:

Você prefere liberdade ou segurança?

É dos maiores dilemas da humanidade e, o pior, sem solução. Quanto mais liberdade, menos segurança; quanto mais segurança, menos liberdade. Não há como ter muito de ambas ao mesmo tempo.

Ao longo da vida, a sua necessidade de uma e de outra vai se alternando. A criança não apenas prefere, ela PRECISA de mais segurança do que liberdade. O adolescente se rebela contra os pais exatamente porque ele anseia por liberdade. Mas, com o amadurecimento, ele percebe que necessitará de mais segurança logo adiante. Então, entrega pedaços da sua liberdade até se ver prisioneiro das próprias opções. Nesse momento, sua única saída saudável é sorver as delícias da rotina.

Quando um homem se aferra à rotina, ele está, tão somente, buscando segurança. Em tese, se fizer todos os dias as mesmas coisas, alcançará todos os dias os mesmos resultados. Não haverá surpresas. Tudo está previsto e controlado. Tudo está seguro.

Em tese. Na verdade, o maior divertimento da vida é fraturar rotinas, desmembrar grupos e fechar ciclos. É uma mania dela. Da vida.

Assim, você teve a sensatez de valer-se da aceitação em vez da revolta, você está feliz com todos os pequenos prazeres previsíveis com os quais são feitos os seus dias, mas, de repente, algo que parecia pequeno se torna grande: a picada do mosquito, os 30 segundos de distração na ultrapassagem, a rua errada, a decisão precipitada na empresa. É o que basta. Agora, tudo está confuso e fora de foco. Você está se sentindo inseguro. Você é como nossos ancestrais, vagando pela savana à mercê do leopardo sorrateiro ou do bando de hienas que riem.

Esse pavor primevo, essa incerteza sobre o que virá é que nos tornou quem somos. O celular 4G, a pizza delivery e a maciez da pele de Megan Fox, tudo isso é obra de um único sentimento: o medo.

Obedeça Sócrates. Conhece-te a ti mesmo. E você verá o medo que faz bater seu coração.