quarta-feira, 28 de junho de 2017



27 de junho de 2017 | N° 18882 
DAVID COIMBRA

Tudo pode melhorar, mesmo sendo igual

Mudar, o mundo muda. Mas as pessoas, na essência, são as mesmas em qualquer lugar, em qualquer tempo. O Peninha, que tenta inutilmente se tornar venerando ao se apresentar como “escritor Eduardo Bueno”, lançou nas redes um interessante programete de história do Brasil intitulado Não Vai Cair no Enem. Num dos episódios, Peninha conta, em seu já tradicional estilo brejeiro, a respeito da construção da primeira capital do Brasil, Salvador, em meados do século 16. 

Ocorre que, para rasgar as seis ruas originais da cidade, cercá-la por muro de pedra, dotá-la de pia igreja e de solene casa de governo, empreiteiros portugueses se associaram e criaram uma espécie de clube. A ideia deste consórcio era dividir as obras, evitar a concorrência, superfaturar os preços e acobertar as irregularidades mediante gorda propina paga aos políticos da época.

Isso há mais de 400 anos...

Recue mais um pouco, para tempo e espaço não abordados pelo brasilianista Peninha. Há 2,2 mil anos, no Velho Mundo, um general romano chamado Lucio Emilio Paulo conquistou a Macedônia por meio da guerra. Em meio à campanha vitoriosa, ele fez um desabafo:

– Nas reuniões de família e nas praças de Roma, há homens que sabem para onde os exércitos têm de se mover na Macedônia e que estratégias devem ser estabelecidas. Não só decidem o que deve ser feito como, quando tudo se dá ao contrário do que recomendaram, criticam o general. Se alguém está convencido de que me pode dar conselho, que venha a mim, cá na Macedônia. Mas, se acha que isso é muito incômodo, que deixe de se fazer marinheiro em terra.

No Brasil, éramos milhões de técnicos de futebol e agora somos milhões de juízes de Direito. Na Antiga Roma, eles eram milhões de generais.

Mas, se somos os mesmos nos defeitos, somos os mesmos nas virtudes. Num epitáfio romano velho de dois milênios, um marido mandou gravar a seguinte inscrição em homenagem a sua companheira morta:

“Foste sumamente bela, Statilia, e verdadeira aos teus dois maridos. O primeiro, se tivesse resistido aos fados, teria dedicado a ti esta pedra, enquanto que eu, ai, que durante 16 anos fui abençoado pelo teu puro coração, agora te perdi”.

Repare na nobreza deste homem. Não se limitou a declarar o amor por sua mulher: mostrou lealdade ao ex-marido dela.

A corrupção e a crítica fácil existem desde que existe a civilização, mas o amor e o respeito também.

Veja essas pessoas de celular em punho, fiscais implacáveis da moral e dos bons costumes, prontas para registrar a humilhação alheia, como fizeram dias atrás com o ator Fábio Assunção. Veja a rapinagem exposta dos políticos que governavam e governam o país. Veja como a falta de compaixão, o egoísmo e o desrespeito campeiam. Mas, em compensação, o Judiciário está funcionando e colocando poderosos criminosos na cadeia e os colegas de Fábio Assunção o apoiaram na dor. É um alento.

E, ontem, recebi com júbilo a notícia de que os promotores do caso da boate Kiss pediram o perdão aos pais das vítimas que eles mesmos haviam processado. São alvíssaras. Sempre houve gente decente no mundo. Sempre haverá.