quarta-feira, 14 de agosto de 2019



14 DE AGOSTO DE 2019
DAVID COIMBRA

O dia em que o mundo quase acabou

Ontem eu deveria ter contado a história do dia em que o mundo quase acabou, mas não deu tempo. Então, conto agora, preciso contar. Porque nossa extinção, afinal, é coisa importante.

Ocorre que, exatamente na madrugada de 12 para 13 de agosto de 1961, foi erguido, de forma abrupta, o Muro de Berlim. Os soviéticos decidiram levantar essa barreira porque, desde que Berlim fora dividida entre comunistas e capitalistas, no final da Segunda Guerra, cerca de 5 milhões de alemães usaram a cidade como um corredor para se homiziar na Alemanha Ocidental.

Dispostos a estancar o derrame de gente, os soviéticos planejaram com critério a construção do muro. Aos poucos, milhares de quilômetros de arame farpado foram sendo levados com discrição para a cidade e estocados em local secreto.

A situação da Berlim daquele tempo é difícil de ser imaginada hoje. A cidade não estava na fronteira, estava DENTRO da Alemanha comunista. Metade do território, porém, era controlada pelos Estados Unidos - uma ilha de democracia capitalista rodeada de ditadura comunista por todos os lados.

Naquela madrugada, tanques e soldados comunistas se postaram ao longo da linha que dividia a cidade. Rolos de arame farpado foram sendo abertos e instalados nas ruas, bem como precárias torres de vigia, onde se acomodaram atiradores de elite. Quando os berlinenses acordaram, viram-se separados de familiares e vizinhos da maneira definitiva e irrecorrível.

Tente ver uma cerca subindo do Rio Guaíba até a Ipiranga, seguindo o fio da Carlos Gomes, dividindo Porto Alegre em duas e afastando o IAPI dos bárbaros: Berlim era mais ou menos assim.

Mas havia um ponto do muro em que oficiais ocidentais podiam passar para o lado oriental sem se submeter ao controle dos agentes comunistas. Era o Checkpoint Charlie, que ainda existe, só que transformado em um dos pontos turísticos mais importantes da cidade. Se você já foi a Berlim, certamente esteve lá. Está sempre cheio de gente ruidosa e de vendedores de bugigangas, como todos os pontos turísticos, mas, ainda assim, vale a pena dar uma olhada no lugar. Porque foi no Checkpoint Charlie que o mundo quase começou a acabar.

Deu-se que, dois meses após a construção do muro, um oficial americano quis entrar no lado oriental. Há quem diga que ele tinha uma namorada linda e loira na parte comunista da cidade e que, naquela sexta-feira, ela o esperava para uma noite de luxúria internacional. É provável, porém, que o oficial pretendesse apenas assistir à ópera que seria apresentada do lado de lá da fronteira. Seja qual for o motivo, o fato é que os soldados comunistas não permitiram sua entrada nem sua volta a Berlim Ocidental. Em pouco tempo, os soldados do lado capitalista ficaram sabendo da detenção e se mobilizaram. O que causou a mobilização dos soldados do lado comunista. Assim, antes que o oficial americano pudesse dizer Ich möchte meine deutsche Freundin sehen, 30 tanques americanos M48 Patton e 30 T-54 soviéticos se postaram dos dois lados do Checkpoint Charlie, prontos para o combate.

Era um cenário funesto: os tanques frente a frente, os soldados se encarando de dentes rilhados e músculos retesados. Se alguém disparasse, a terceira guerra mundial seria detonada. Assustados, Kennedy, em Washington, e Kruschev, em Moscou, determinaram que seus soldados não atacassem, mas reagissem com vigor se o inimigo tomasse a iniciativa. E agora? E se algum imprudente disparasse um tiro? O horror, o horror.

Foi então que, pela primeira vez, foi acionado o telefone vermelho. Kennedy e Kruschev conversaram por meio de sua linha privada. Kennedy prometeu que, se os soviéticos recuassem um pouco os seus tanques, ele também mandaria recuar os dele. Kruschev topou. Minutos depois, o mundo inteiro assistiu, tenso, aos tanques soviéticos se afastarem 10 metros. Depois disso, os americanos recuaram outros 10. Não era muito, mas era um sinal. A guerra não aconteceria. O mundo estava salvo. Quase se perdeu, quase que a humanidade se extinguiu, tudo por causa de uma ópera. Ou, talvez, por causa de certa loira alemã.

DAVID COIMBRA

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