sábado, 24 de agosto de 2019




23 DE AGOSTO DE 2019
DAVID COIMBRA

O valentão

Os Estados Unidos se autoproclamam a "terra dos bravos". O Brasil se tornou o lar dos valentes.

Mas, atenção, não se trata de elogio. Valentia é diferente de coragem. Coragem é fazer o certo, mesmo quando se perde com isso. É assumir a responsabilidade. É colocar a lealdade acima do interesse.

Valentia é outra coisa. O valente, em geral, é temerário ou covarde. O valente temerário, que pode ser um eufemismo para burro, é aquele que enfrenta um inimigo muito mais forte só para provar o seu destemor. O valente covarde é aquele que desafia um inimigo muito mais fraco só para humilhá-lo.

O valente covarde, por exemplo, é o que pratica bullying. Ele sabe que pode bater na sua vítima, então a oprime. Ele não corre nenhum risco, mas se sente grande por poder diminuir outra pessoa.

O governo brasileiro é assim. É um governo de valentões, o governo do prevalecido da escola, do tio que conta a piada constrangedora no almoço de domingo, da madame que fala alto no cinema.

Sob esse governo, a ignorância não aumentou entre os brasileiros, mas se tornou orgulhosa. É uma ignorância que bate no peito e se mostra, radiante. Agora é bonito ser grosseiro, porque a grosseria é confundida com autenticidade.

O chefe do governo, Bolsonaro, se esmera a cada dia para dar exemplos eloquentes desse tipo de comportamento. A diversidade é seu lema, porque ele ataca em praticamente todos os setores, do golden shower às cadeirinhas para crianças nos carros.

Ultimamente, ele tem se dedicado com ardor (mesmo) à área da ecologia. Nosso presidente valentão dispensou os bilhões que noruegueses e alemães mandavam para ajudar na preservação da Amazônia e ainda sugeriu, cheio do sarcasmo típico dos machões, que o montante fosse repassado a Angela Merkel, para que ela cuidasse das florestas da Alemanha, talvez sem saber que esse é provavelmente o país do mundo que mais se empenha na conservação da natureza.

Depois disso, diante dos 72 mil focos de incêndio que nesse momento estão consumindo a Amazônia, Bolsonaro disse que essas queimadas provavelmente são criminosas e apontou como culpadas as ONGs que atuam na região.

É grave.

Porque, ora, Bolsonaro é o presidente da República. É a maior autoridade do Brasil. Se ele tem informações de que ONGs estão incendiando a Amazônia, sua obrigação é mobilizar o aparato repressor do Estado para deter os criminosos. Mas, se ele não tem informação, se é palpite ou desejo, sua acusação cai sobre pessoas inocentes, muitas dessas que trabalham com seriedade para salvar a floresta.

A julgar pela forma como se comportam Bolsonaro e seus auxiliares nesse caso, provavelmente a segunda hipótese é a correta: a denúncia é falsa. Você, perplexo, talvez esteja se perguntando: por que ele faria isso? Por que ele cometeria tamanha irresponsabilidade? A razão é óbvia: é porque ele é um valentão. Valentões acham uma frescura esse negócio de ecologia, de ONGs, de preservação da natureza. Bolsonaro, mais uma vez, está apenas sendo quem é. É a tal autenticidade tão admirada pelos brasileiros de hoje. O Brasil elegeu o prevalecido do colégio como presidente. Agora terá de aguentar o bullying.

DAVID COIMBRA

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