terça-feira, 27 de agosto de 2019



DAVID COIMBRA

Malagueta, perus, bacanaço e Luan

Talvez você nunca tenha ouvido falar no João Antônio. Devia: foi um dos maiores escritores do Brasil em todos os tempos. Sua especialidade eram as histórias curtas. O conto.

Histórias curtas são subestimadas pela crítica. Um dos raros gênios literários que o Brasil produziu só escrevia histórias curtas. Na verdade, muito curtas, curtíssimas, crônicas. Falo de Rubem Braga.
Quanto ao João Antônio, alguns de seus livros são poesia disfarçada de malandragem. Procure Malagueta, Perus e Bacanaço ou Meninão do Caixote. Leia-os. Você não vai se arrepender.

Li, creio, todos os livros dele e não entendia por que não era mais festejado. Quando o conheci, entendi. João Antônio era um homem que pouco ligava para as aparências. Usava uma calça velha, azul e desbotada no tempo em que isso não era sinônimo de liberdade e chinelos de dedo no tempo em que chinelos de dedo não eram vendidos em Nova York. Eu tinha 20 anos de idade, pouca experiência, muitas ilusões e grande categoria para dar lançamentos de 60 metros no campo do Alim Pedro. 

Acompanhei-o durante uma semana em Porto Alegre a fim de assessorá-lo na divulgação de seus livros. João Antônio me tratava como um igual. Um dia, caminhávamos pelo Centro e, ao ver a beleza de pedra do Viaduto da Borges, ele pediu para irmos até as escadarias. Fomos. Subimos em direção à Duque e, no meio do caminho, ele se sentou em um degrau.
- Vamos conversar um pouco - sugeriu.

Sentei ao seu lado, e lá ficamos nós, falando de jornalismo, de literatura, das mulheres, de sinuca, da vida. Você consegue imaginar um desses escritores de academia de hoje refestelado no degrau de uma escadaria, conversando só por conversar com um gurizão que era pago para promover os seus livros?
Não tenho dúvida: se João Antônio tivesse uma personalidade mais, digamos, exuberante, ele certamente seria mais valorizado. Porque ele não era acintoso, ele tinha pouca visibilidade, mas sabia encantar o leitor.

Lembro agora de João Antônio por causa de Luan. Nenhum jogador do Brasil joga como Luan. Poucos jogaram parecido, em qualquer clube, em qualquer tempo. A movimentação que Luan faz, mesmo quando passa por má fase, dá lógica ao time. Ele concede fluência ao meio-campo e agudeza ao ataque. Mas Luan, às vezes, é considerado lento ou desatento. É o jeito dele, meio malemolente, meio melancólico, sem o marketing do romancista, apenas com a simples brevidade do cronista. Suspeito que foi essa imagem que levou Tite a preteri-lo na Seleção. 

Pois Tite estava errado. Luan consertou a Seleção na Olimpíada e é o principal jogador do Grêmio há três anos. Com ele, o futebol do Grêmio se torna escorreito, as coisas acontecem. Eu não prescindiria de Luan numa decisão como essa, de hoje, contra o Palmeiras. Eu apostaria nele. Mas, é claro, Renato sabe muito mais do que eu. Ele deve estar reservando algo especial para aproveitar o talento de Luan. Um talento que não é acintoso, que tem pouca visibilidade e é até mal compreendido. Mas que pode encantar o torcedor.

DAVID COIMBRA

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