segunda-feira, 26 de agosto de 2019



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"O dano está feito"

ENTREVISTA | RUBENS RICUPERO - Diplomata, ex-ministro do Meio Ambiente

Primeiro ministro do Meio Ambiente do Brasil, o diplomata Rubens Ricupero (foto) acompanha com tristeza as queimadas na Amazônia, e mais ainda, a terra arrasada que restou para a imagem internacional do Brasil:

- Perdeu-se um esforço de 30 anos. O dano está feito. O agronegócio vai sofrer, será preciso correr atrás do prejuízo. O esforço que antes seria para abrir novos mercados terá de ser aplicado para recuperar terreno.

Quais serão as consequências da escalada de rejeição global?

Não creio que vá haver melhora no clima para aprovação do acordo com o Mercosul. Enquanto durar o impacto dessas queimadas, vai ficar na geladeira. A Comissão Europeia tem interesse em aprovar, porque negociou o acordo, mas não tem maioria. Vai haver aliança entre Verdes e a esquerda, mas também dos conservadores, mais ligados à agricultura. Mesmo em condições ideais, a aprovação teria sido arriscada. Nas atuais, conhecendo a dinâmica, a sensação é de que vai demorar. Vão deixar assunto na geladeira até que baixe a poeira e haja mudança efetiva.

É possível esperar mudança?

O presidente foi muito leviano. Durante meses, acumulou provocações. Quando houve reação, o governo se assustou. O pronunciamento lembrou os da Dilma, escrito e lido. Não era algo que falasse com sinceridade. Ele mudou inteiramente, passou a dizer coisas que nunca disse em toda a vida. Soou tão artificial que houve panelaços. Foi muito significativo porque ocorreu, em geral, em bairros que votaram nele. Essa mudança de discurso, em si, não basta. Tem de mudar a política. E para isso, tem de mudar o homem que colocou no ministério. Nomeou o que chamo de antiministro. 

Está lá para desmontar. Antes da posse, queria suprimir o Ministério do Meio Ambiente, transferir para a Agricultura. Acabou não fazendo porque o setor ruralista e a ministra que havia escolhido (Teresa Cristina) não quiseram. Na época, disse ?esperem só para ver quem vou colocar no ministério?. Escolheu um indivíduo condenado em São Paulo por improbidade administrativa em questão de mineração. Posso dizer porque fui o primeiro ministro do Meio Ambiente e da Amazônia. Lembro como formamos gente para isso. Desmantelaram tudo. Desencorajou e criticou seguidamente os fiscais do Ibama. Inclusive mandou punir o que o havia multado. Ele tem obsessão antiambiental.

Vê conexão entre a multa e a política ambiental?

Em parte, é porque foi multado. Lembra muito o que os psicanalistas chamam de governantes que agem por ressentimento. Quando fiscais do Ibama desarticularam uma operação de madeireiros ilegais e destruíram, conforme a lei prevê, o equipamento que usavam, o presidente e o antiministro tiveram acesso de cólera. Desautorizaram publicamente, disseram que os fiscais não deveriam, tinham primeiro de fazer ação educativa. Todos os governos anteriores, com maior ou menor eficácia, combateram o desmatamento. Este é o primeiro que, desde o começo, deixou claro que era contra a fiscalização. Não são só palavras, são atos.

Do que vai depender a recuperação da imagem?

Para ficar satisfatório, do ponto de vista internacional, tem de mudar a política. Não basta mandar o Exército. Ele tem de mudar o antiministro, tem pôr de volta os funcionários. Daqui a alguns dias, o comitê de Meio Ambiente da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) vai começar o exame das políticas ambientais brasileiras em Paris. Como o Brasil vai querer entrar na OCDE se não mudar de política? O problema lá não é como o pessoal pensa aqui, que pode haver sanções de governo. Pode haver sanções espontâneas da população. Ao contrário do Brasil, lá a consciência ambiental é muito avançada. A carne brasileira já custava a metade da argentina, por causa da qualidade. Agora, vai ser como um veneno.

Qual o tamanho do desgaste?

Eu era assessor especial de (José) Sarney quando assassinaram Chico Mendes. Houve a primeira grande campanha sobre destruição da Amazônia. A resposta foi muito adequada: ofereceu o Brasil para ser sede da Rio 92. Teve atitude proativa, não defensiva. Houve um segundo momento de melhora, quando começou a cair o desmatamento, entre 2004 e 2005, que em grande parte se deve a Marina Silva (ex-ministra do MMA). Perdeu-se um esforço de 30 anos. Não é o governo que desmata. São atores privados, grileiros, pecuaristas, madeireiros ilegais. O papel do governo é impedir. Mas basta cruzar os braços, amarrar os fiscais, para que o desmatamento aumente. 

O presidente é o autor desta crise. Não é só na Europa, é na Ásia, nos Estados Unidos. Ainda que o Trump seja aliado, é do Congresso a última palavra sobre comércio. Trump quis mudar o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que reúne EUA, Canadá e México). Foi obrigado a reforçar cláusulas ambientais e trabalhistas, e há risco de não aprovar. Imaginar que o Brasil possa manter essas políticas em relação aos indígenas, em relação à mata, e obter alguma vantagem comercial com os EUA é não conhecer a situação real. O agronegócio vai sofrer, será preciso correr atrás do prejuízo. O esforço que antes seria para abrir novos mercados, terá de ser aplicado para recuperar terreno perdido.

MARTA SFREDO

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