quinta-feira, 15 de agosto de 2019



15 DE AGOSTO DE 2019
DAVID COIMBRA

E há uma rua encantada

Ontem passei pela rua mais bonita do mundo. A Gonçalo de Carvalho. Sei que se trata de título polêmico, conquistado em eleição pela internet, mas ela é bonita mesmo, com suas dezenas de árvores perfiladas em ambas as margens, tocando-se no céu. É delas, das árvores, que pretendo falar, mas, antes, deixe que lhe diga que já vi outras ruas bem bonitas.

Por exemplo: em Edimburgo, na Escócia, eles dizem que se encontra a SEGUNDA rua mais bonita do mundo, a Princes Street. É uma bela rua, de fato, muito antiga, ladeada por um imponente castelo medieval. Mas a primeira, a número 1, para os escoceses, não é a Gonçalo de Carvalho, por incrível que pareça; é a Champs-Élysées, de Paris.

Talvez a Champs-Élysées seja mesmo a rua mais bonita da Europa, mas ela é uma avenida imponente, onde moraram Napoleão e Josefina e onde você pode gastar milhares de euros em lojas requintadas. Agora, houve outra rua que vi, certa feita, e da qual não lembro nem o nome, mas, juro, achei-a mais bonita do que a Champs-Élysées, do que a Princes Street e, não fique chocado, do que a Gonçalo de Carvalho: é uma rua da cidade de Lucerna, na Suíça, que é linda, linda. 

Caminhei por essa rua depois de desfrutar um jantar delicioso, servido por uma leitora brasileira que mora em Lucerna. Era uma noite de temperatura amena, e eu passeando por aquela cidade de sonhos, naquela rua encantadora, sentia-me como se fosse protagonista de um filme ou de um romance. Então, aprendi que uma paisagem especial pode fazer com que a gente se sinta especial.

Quando tinha sete anos de idade, escrevi várias páginas sobre uma rua, a Dona Margarida, nos Navegantes. Meu avô e minha avó moravam lá, no número 355, e eu adorava aquela casa. Então, escrevi o que, na época, disse ser um jornal a respeito da Dona Margarida. Minha mãe não guardou essa minha primeira reportagem, mas, por Deus, ainda lembro de trechos. Contei acerca dos vizinhos: no lado esquerdo havia a casa da dona Matilde, que era corcunda. 

Meu avô advertia para não ficar reparando na corcunda da dona Matilde, mas como um guri de sete anos de idade conseguiria se conter? Quando ninguém estava prestando atenção, eu espiava a corcunda dela e me fascinava. Na minha reportagem, fiz várias especulações a respeito: se passar a mão no calombo da corcunda dava sorte mesmo, o que havia lá dentro, essas coisas.

Na frente da casa da dona Matilde estava plantado um sobrado de madeira cheio de mistérios. Lá vivia uma família muito discreta, que viera de algum país do Leste Europeu. À noite, gritos horríveis de mulher saíam daquela casa. Às vezes, o vulto de uma moça de cabelos loiros era visto no andar de cima, espreitando por uma das janelas. 

Eu e meus irmãos planejávamos invadir a casa, num dia em que a família tivesse saído, para investigar o que se passava no seu interior. Claro que nunca tivemos coragem nem para chegar perto do jardim da frente. Escrevi sobre essa casa também. E sobre outros tantos personagens da rua, que se tornou mítica na minha imaginação e com a qual ainda sonho, de vez em quando. Assim, posso dizer que a Dona Margarida, que hoje virou uma rua até feinha, é uma rua bonita, para mim.

Mas vou dizer qual é a rua mais formosa do planeta. Sei qual é: a Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. Os prédios antigos de um lado, a calçada ampla no meio e do outro lado o mar de Copacabana. Não existe nada igual.

Falei tanto da beleza das ruas que não consegui entrar no assunto que me motivava: as árvores. Vai ter que ficar para amanhã. Aguarde. Mas, por enquanto, me diga: que rua mora no seu coração, empedernido leitor?

DAVID COIMBRA

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