sábado, 31 de agosto de 2019


31 DE AGOSTO DE 2019
RODRIGO CONSTANTINO

O herói trágico

Muitos consideram Trump uma ameaça às instituições, mas uma teoria alternativa é que ele está mais para um sintoma do seu enfraquecimento. É justamente porque boa parte do povo perdeu a confiança nos políticos, acadêmicos e mídia, que Trump foi eleito em primeiro lugar. Ele representa o outsider que veio abalar o sistema, drenar o pântano de Washington, como seu slogan dizia.

O historiador Victor Davis Hanson, em The Case for Trump, fala da figura do herói trágico, bebendo dos clássicos como Sófocles e Homero. Esses personagens representariam, assim como nos filmes modernos de faroeste, aquelas figuras que não são agradáveis, tampouco intrinsecamente nobres, mas que aparecem para desafiar os que representam uma ameaça ainda maior à sociedade.

Eles são percebidos como perigosos, costumam se preocupar mais com suas tribos do que com a cidade, demonstram lealdade pessoal, não espírito republicano. O que os torna trágicos e heroicos ao mesmo tempo é seu conhecimento de que a expressão natural de suas personas pode levar apenas à própria destruição ou ao ostracismo na civilização que pretendem proteger. Há algo fatalista em seu caráter: não conseguem mudar, devido à megalomania ou visão absolutista da experiência humana.

Os heróis trágicos não necessariamente querem ser heroicos. Suas motivações podem ser egoístas, autocentradas e surgir por um desejo pessoal de vingança ou busca por adulação. Eles geram desconforto enquanto estão por perto, e podem ser reconhecidos somente quando seguramente afastados e seus feitos podem ser atribuídos a outros. Mas seu comportamento pouco civilizado pode, por um período, salvar a civilização.

São, enfim, aqueles com coragem suficiente e ausência de freio moral para fazer o "trabalho sujo" que precisa ser feito. Pensemos num bando de arruaceiros que chega numa cidade cujo xerife, certinho demais, mostra-se incapaz de enfrentá-los. Aquele que só por acidente do destino não é parte do bando tem o perfil para derrotá-lo, agindo à margem da lei. É o herói de Fauda, a série israelense sobre terrorismo.

Sim, eles são perigosos e podem ameaçar as instituições. Mas podem ser a única salvação dessas instituições quando outros representam ameaça ainda maior.

RODRIGO CONSTANTINO

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