sexta-feira, 2 de junho de 2017


02 de junho de 2017 | N° 18861
MUNDO

Especialistas não veem impacto significativo em ato


Apesar da grande repercussão, a polêmica decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris não deverá ter impacto significativo no movimento planetário de combate ao aquecimento global.

Especialistas ouvidos por ZH foram unânimes em afirmar que Washington está perdendo cada vez mais seu protagonismo no tema, e que a saída do tratado não irá fazer com que as grandes corporações deixem de investir em energias alternativas – já que hoje são mais motivadas por questões econômicas do que políticas. Além disso, avaliam que o anúncio, além de ser uma mera formalidade, não tirará o foco de outros países que seguem buscando alternativas para reduzir a emissão de gases poluentes no planeta.

De acordo com a presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Suzana Kahn, como o Acordo de Paris não prevê nenhuma penalidade caso as metas de determinado país não sejam cumpridas – apenas geraria constrangimento internacional frente às demais nações –, elas já não seriam uma preocupação para Trump mesmo se o país permanecesse no tratado.

A especialista afirma que a retirada dos EUA das negociações pode até ser positiva, pois este é o momento em que os demais países irão se reunir para definir os instrumentos e parâmetros de medição da emissão de gases em nível mundial, o que começará a ser feito em 2020. Nesse quesito, os EUA, sob o atual governo, poderiam atrapalhar o cumprimento das metas.

– Os Estados Unidos não estão contribuindo para a redução da emissão de gases desde o início do governo Trump, o que é tão ruim, ou até pior, do que essa decisão de sair do acordo. O retrocesso começou na eleição.

PARA ESTUDIOSOS, OUTRAS NAÇÕES OCUPARÃO VÁCUO


Isso não significa que a postura do país não influencie o combate ao aquecimento global a longo prazo. Segundo maior emissor de gases depois da China, os EUA respondem por 18% do carbono lançado na atmosfera. São cerca de 6,5 milhões de toneladas por ano. A falta de preocupação com o tema tornará ainda mais difícil alcançar o objetivo final do acordo firmado dois anos antes: de reduzir, até 2030, o carbono na atmosfera de 69 bilhões de toneladas para 56 bilhões, e de negociar metas futuras para manter, até 2100, o aquecimento global no nível tolerável, inferior a 2ºC.

Caso não sejam cumpridas as metas, as consequências poderão ser, de acordo com cientistas, catastróficas e irreversíveis – entre elas, derretimento de geleiras, maior intensidade de tempestades, enchentes, secas e furacões.

O receio de que a saída do país do acordo leve outras nações a rever a participação não preocupa o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e uma das principais autoridades em mudanças climáticas do país:

– Pelo seu posicionamento, Trump está se isolando na questão ambiental. China e países europeus já anunciaram que vão aumentar suas metas para atingir o objetivo global.

É o que afirma também o astrofísico Luiz Gylvan Meira Filho, ex-vice- presidente do Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC) e pesquisador da USP.

– Ninguém vai se importar muito com essa saída dos Estados Unidos. Acho que não irá induzir outros a sair, e inclusive haverá uma tendência dos demais países de preencher esse vácuo.

Gylvan argumenta, ainda, que muitos Estados americanos têm fortalecido, de forma independente, medidas de combate à emissão de gases poluentes, mesmo contrariando Trump:

– As grandes corporações americanas, por razões econômicas, estão investindo em energias alternativas, assim como Estados norte-americanos estão aprovando leis que restringem e combatem a emissão de gases. Sendo assim, a decisão do governo não deve influenciar esses movimentos.

Para Artaxo, a decisão de investir em energias alternativas e, consequentemente, reduzir a emissão de gases é, atualmente, muito mais econômica do que política – o que enfraquece o poder de Trump frente ao tema:

– O preço da energia eólica e solar está se aproximando muito do preço da energia gerada pelo carvão. Então, é um péssimo negócio investir em tecnologias ultrapassadas.

jaqueline.sordi@zerohora.com.br