quarta-feira, 13 de março de 2019



13 DE MARÇO DE 2019
PEDRO GONZAGA

ABSOLUTA E RELATIVA

E então chega o momento em que tudo parece simples, e frutifica a crença de que as coisas não avançam por falta de vontade, pelos erros cometidos pelos que vieram antes, e logo os novos arautos armam púlpitos, arregimentam seus iguais, e depois se enclausuram em si mesmos, porque já os inimigos (incapazes de conversão) estão por toda parte, dominaram o mundo enquanto eles lutavam a luta verdadeira, os outros que serão os responsáveis finais por sua derrota, por fazer com que cada um deles termine por se dispersar na fleumática mecânica do mundo, donde, frustrados, extrairão um óleo para ungir os que vierem depois. 

Mas no auge de seu curto momento no palco, terão pregado suas experiências como forças de um poder redentor, experiências tão totais e tão únicas que precisarão defendê-las com qualquer coisa mais sólida do que palavras, pelos séculos dos séculos.

Quem sabe o fado de nossa espécie seja andar em círculos. Nas páginas do Antigo Testamento, O Livro do Eclesiastes já vinculava o retorno das estações aos sentimentos humanos. Assim sempre haverá plantios e colheitas, riso e choro, amor e ódio, guerra e paz. De modo mais sútil, ou mais ambíguo, é o mesmo que aponta a grande arte. Evoluímos enquanto permanecemos. Decaímos enquanto tentamos. Ao contrário das vozes de palanque, pessoais ou políticas, os artistas nos dizem que a experiência de estarmos aqui nunca é absoluta, mas sim relativa. E por isso não nos oferecem saídas práticas. Quem desde cedo foi tocado pela literatura sabe disso, ainda que tenha dificuldade em lidar com boletos.

Talvez o atual valor da experiência absoluta seja legado das rupturas modernistas, abraçadas de maneira anacrônica pela mente contemporânea. Ao celebrar o agora, ao atribuir à ideia de originalidade um valor supremo (com a ajuda de muitos artistas), qualquer coisa experimentada pela comunidade, pelos mais velhos, perdeu valor de âncora. A busca deve começar e terminar no infinito de mim mesmo. Disso nasce um tipo de experiência irrelevante para além do indivíduo, que precisa de um culto às celebridades para se legitimar: só a posição de destaque social traz valor relativo a uma coisa meramente absoluta.

A saída pode estar num retorno à arte que lança luz sobre os outros, capaz de mover nossa curiosidade sobre como vivem e do que são feitas suas vidas interiores, até que sejam também e de novo as nossas.

PEDRO GONZAGA

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