sábado, 16 de março de 2019



16 DE MARÇO DE 2019
MÁRIO CORSO

Mundo invertido

A adolescência é uma invenção recente. É possível que seus pais tenham tido adolescência, provavelmente seus avós não, e certamente seus bisavós não a tiveram.

A geração Baby Boomers, nascida no pós-guerra até meados dos anos 1960, foi a primeira experiência massiva do sentimento de ser adolescente. Embora já houvesse adolescentes avulsos, não havia uma cultura comum compartilhada. Essa geração criou para si valores e costumes que deram forma ao que a adolescência é.

Eram chamados de rebeldes sem causa, por receberem confortos que seus antepassados não usufruí- ram. Pouco sabiam dizer das suas reivindicações, que esclareceram-se posteriormente. Não queriam repetir os valores paternos. Desejavam mais liberdade para o comportamento e a identidade sexual. Conseguiram, o mundo nunca mais foi o mesmo e, para o bem ou para o mal, o respeito ao saber dos mais velhos idem.

Criou-se uma cena inédita na história da humanidade: o nivelamento geracional dos saberes. Quem não acrescentar na equação histórica o surgimento da adolescência não entende a contemporaneidade. Sempre, e em todas as culturas, os antepassados eram os sábios, o exemplo a ser seguido. Nos meados do século 20, veio a virada. Hoje, existe uma democracia etária na enunciação "cada nova geração precisa reinventar a roda", a experiência dos que chegaram antes não goza de grande prestígio. Mal trocados os dentes de leite, temos seres com opiniões fortes, até porque a rebeldia tornou-se um valor.

Some o nascimento da adolescência com outra revolução coetânea: a feminista. A experiência de substituir os homens enquanto eles estavam no front liberou as mulheres do papel de coadjuvantes. Foi no século 20 que elas começaram massivamente a buscar o equilíbrio de poder entre os sexos, numa série de conquistas longe do fim.

O presente é fruto do movimento dessas duas colossais placas tectônicas: o novo formato da juventude e a presença maciça das mulheres na esfera pública. São mudanças inéditas que quebram o padrão de milênios, por isso os inevitáveis choques culturais que observamos.

Recentemente, consequência dessas duas revoluções, abriu-se um maior questionamento das identidades de gênero. Existe uma consciência da construção social dos papéis, portanto de um pedido de maior liberdade para inventar outras formas de viver.

Historicamente, mudanças e transformações são confundidas com decadência moral. Por isso, as pessoas desorientadas no tiroteio dos argumentos, imaginando que o mundo está perdido, anseiam salvadores e agarram-se a um passado idealizado que nunca existiu.

Não vivemos o fim dos tempos. Bem-vindo à era da pluralidade de vozes, dos saberes parciais, do questionamento constante. Não desista de buscar entender as transformações. De tanto tentar, um dia a humanidade acerta.

MÁRIO CORSO

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