segunda-feira, 18 de março de 2019



18 DE MARÇO DE 2019
CAPA

Radionovela na era da nuvem

DRAMATURGIA EM ÁUDIO busca espaço no Brasil no embalo da popularização dos podcasts nas plataformas digitais

A era dos podcasts nas plataformas de áudio por streaming tem sido responsável por revigorar um formato que caiu em desuso há anos: o das radionovelas. Os agora chamados audiodramas, ou podnovelas (trocadilho com os podcasts), nada mais são do que uma versão modernizada das antigas narrativas seriadas que marcaram época no rádio.

Em Caxias do Sul, o trabalho dos irmãos Joe e Guido Guidini, de 26 e 29 anos, respectivamente, chama atenção nesse cenário. A dupla é protagonista de uma cena que ainda engatinha no Rio Grande do Sul. O audiodrama Aventuras Bizarras é conduzido pelos dois, que gravam todos o conteúdo no quarto de casa, com um cobertor preso à janela para abafar os sons externos.

Mas não pense que os irmãos caxienses são menos preparados artisticamente do que os antigos profissionais do rádio. Joe e Guido têm experiência no teatro e conseguem, com poucos recursos, transportar o ouvinte para cenários tão distintos como o espaço sideral ou um acampamento na mata. Interpretam as dezenas de personagens em Aventuras Bizarras - dois episódios já estão disponíveis no YouTube e no Spotify, e o terceiro deve estrear no último fim de semana de março.

Além do teatro, a formação em Publicidade e o gosto por cultura pop contribuem para a criação das histórias.

- Antes de começarmos o podcast, a gente fazia muita coisa junto. Irmão se bate, se quebra, mas a gente era muito parceiro, estava sempre inventando alguma palhaçadinha. Queríamos criar um universo cinematográfico para todos os personagens que a gente tinha. Até gravamos um piloto, mas não deu certo (risos). Então a gente criou um universo cinematográfico radiofônico - explica Joe.

Nas histórias, os irmãos se transformam em velhos, crianças e até em extraterrestres, por meio de modulações na voz e truques de áudio. Tudo é feito de forma simples e amadora, mas o ritmo envolvente da narrativa e a criativa edição de Guido chamam atenção no cenário de audiodramas.

- Eu estou adorando esse universo, é muito mais fácil do que fazer vídeo para o YouTube. A gente consegue mais com poucos recursos. Está se criando uma comunidade muito legal, portas estão se abrindo para uma cena radiofônica - destaca Joe, também animado com a inserção do Aventuras Bizarras na plataforma Podcastchê (podcastche.com.br), rede gaúcha de podcasters.

Com referências que vão desde o podcast gringo Rhett & Link até o brasileiro Uilame (criado pelo Cifra Club nos primórdios dos podcasts), Joe e Guido tentam abastecer o Aventuras Bizarras com informação e humor.

- Queremos resgatar coisas esquecidas e misturar com as loucuras da nossa cabeça. No teatro fazíamos muito isso, pegávamos algum clássico e fazíamos uma adaptação em cima - diz Guido.

FORMATO IDEAL PARA NARRATIVAS DE FÔLEGO

Apesar de trocarem os estúdios de rádio pelas gravações caseiras no próprio quarto, não há tanta diferença entre as velhas radionovelas e os novos audiodramas. Para Danilo Battistini, produtor de áudio, sound designer e autor do audiodrama Contador de Histórias, é como um "cinema sem imagem", com uma narrativa formada exclusivamente pela composição de sons.

- Uma radionovela, no fim das contas, é uma história dramatizada em áudio. O audiodrama tem esse nome mais popular hoje porque passou a ter na internet muitos outros canais para ser divulgado - aponta o profissional de 29 anos, morador de São Paulo.

Particularidades diferem os audiodramas das radionovelas. Entre elas, a tecnologia e a comodidade para gravar com qualidade profissional sem sair de casa, facilitando a pós-produção: inserir efeitos, modular vozes e afins. Nas radionovelas, populares no Brasil principalmente entre as décadas de 1940 e 1950, a encenação e os efeitos sonoros eram feitos ao vivo.

- Podcast é um dos elementos importantes para renovar o rádio. Já tivemos um boom e apagou. Aí se retomou agora com muita força na questão ficcional. Seja musical ou jornalístico, o rádio trabalha cada vez mais na perspectiva ao vivo. A rádio jovem ficou mais falada em algumas emissoras. A profundidade de uma entrevista mais longa ou de um debate mais longo me parece que tende a migrar para o podcast - aponta Luiz Artur Ferraretto, coordenador do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS.

SILIANE VIEIRA E WILLIAM MANSQUE

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