quarta-feira, 27 de março de 2019


27 DE MARÇO DE 2019
NÍLSON SOUZA

Plebiscitos

Dia desses, estava acompanhando na televisão uma entrevista com o físico brasileiro Marcelo Gleiser, recentemente contemplado com o Prêmio Templeton por pregar o diálogo entre ciência e espiritualidade, quando a entrevistadora resolveu colocá-lo no que se convencionou chamar de saia justa. Disse ela: "Agora, uma perguntinha final, responda sim ou não: você acredita em Deus?".

Assim são os plebiscitos. Não permitem que você pense muito, sequer que argumente. Alguém escolhe dois lados e impõe que você se coloque em um deles. É preto ou branco, não adianta explicar que existem 50 tons de cinza. Grêmio ou Inter, não adianta explicar que você nasceu em Criciúma e torcia para o falecido Metropol. Monarquia ou República? Parlamentarismo ou presidencialismo? Já passamos por isso, em 1993. Tudo bem, prevaleceu a vontade da maioria - e este é o princípio basilar da democracia. Mas também é inquestionável que os plebiscitos favorecem as decisões emocionais e constrangem eleitores que preferem outros posicionamentos além dos propostos.

Veja-se, por exemplo, o caso do Brexit. Desconsiderando a diferença técnica entre plebiscito e referendo, a verdade é que os britânicos decidiram sair da União Europeia no calor do debate sobre imigração e agora, depois de avaliarem melhor as consequências, tentam desesperadamente desfazer o mau negócio. Na consulta de 2016, prevaleceu indubitavelmente a vontade da maioria. Porém, pelas gigantescas manifestações dos últimos dias, parece evidente que a maioria já trocou de lado.

Essa inflexível dualidade é o aspecto preocupante dos plebiscitos. Nem tudo pode ser resolvido com sim ou não. Voltemos ao nosso cientista. Marcelo Gleiser, dono de um cérebro tão privilegiado, que é capaz de fazer uma criança de cinco anos entender o Bóson de Higgs (seja lá o que for isso), deu a resposta rápida que a entrevistadora pediu: "Não!" - afirmou de bate-pronto. Mas se justificou em seguida:

- Só que eu não sou ateu, sou agnóstico.

Ateus, como se sabe, negam a existência de Deus. Agnósticos aceitam que Deus pode ou não existir, mas admitem que não são capazes de saber com certeza. Ou seja: entre o sim e o não, para tudo, tem que existir pelo menos alguma margem para o "não sei", para o "ainda estou procurando uma resposta". Como ensina o nosso premiado astrônomo, ciência e religião não são necessariamente conflitantes. Podem até ser, em alguns casos. O próprio cientista classifica como inadmissível ensinar nas escolas que os dinossauros foram extintos porque não cabiam na arca de Noé. Mas reconhece que, nos Estados Unidos, onde trabalha, quase metade dos cientistas acredita em Deus - sem que a fé atrapalhe suas investigações e suas pesquisas.

Por analogia, posso dizer que sou agnóstico em relação a plebiscitos, mas crente em relação à democracia.

NÍLSON SOUZA

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