sábado, 23 de março de 2019


23 DE MARÇO DE 2019
CARPINEJAR

Vizinho da plateia

Não é um vexame empunhar o celular para fotografar e filmar num show - o aviso que proíbe com as cortinas fechadas é retórica. Nem me escandalizo quando um espectador começa a gritar para o palco a fim de conversar com o músico como se estivesse a sós com ele. Cada louco tem as suas manias.

O meu dilema de etiqueta em qualquer apresentação é de distinta magnitude: sentar ou dançar?

Ainda não sei o que fazer. Eu sofro com a dúvida. Gostaria de um tutorial personalizado de acordo com o ingresso.

Quando estou assistindo a uma cantora de samba, é quase uma blasfêmia ficar parado com as melodias contagiantes e os refrões que conheço de cor. Até porque o artista vibra quando o coro se acentua, balançando o quadril e mexendo as mãos em ola. Até porque não é um concerto de música clássica em que os aplausos devem acontecer quando as peças realmente terminarem, nunca no intervalo entre uma e outra.

Mas quem está atrás de mim pagou caro para assistir e talvez queira apenas assistir, acomodado na cadeira numerada, disposto a uma fruição de ouvinte e contrário às coreografias alucinadas de fã em sua frente.

São muitos públicos juntos com desejos diversos e todos têm razão. E também existem algumas pessoas com dificuldades físicas para permanecer de pé durante mais de uma hora e preferem que se conserve a mesma altura dos olhos. Se alguém se levanta, arma-se uma crise diplomática, estragando a diversão.

Há, ainda, shows internacionais que não vão se repetir, e a impulsividade pelo momento inesquecível reina acima da educação e do bom senso.

Os vizinhos do prédio ou do bairro não são um problema, o problema para mim é o vizinho da plateia.

É sempre uma vertigem olhar para os assentos do fundo. Tenho um profundo medo: tremo as pernas, perco o equilíbrio, suo frio. Não é exagero dramático ou força de expressão, mas trauma de quem frequentava estádios nos anos 1980, subia os braços para comemorar um falso gol e recebia sérias ameaças: olhe o mijo!

E vinha um saco plástico de líquido duvidoso explodindo em minha cabeça. Eu não cheirava o que me atingiu, apesar de encharcado, só rezava que fosse cerveja quente.

CARPINEJAR

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