terça-feira, 26 de março de 2019


26 DE MARÇO DE 2019
ARTIGO PORTO ALEGRE 247 ANOS

MINHA CIDADE


Não podemos unificar a infância, é a infância que nos unifica. E Porto Alegre não é apenas uma presença que me dói, por não poder estar ali, todos os dias, com suas ruas, avenidas praças e seu rio, o Guaíba, e os crepúsculos opulentos, capazes de rebentar de fogo, a luz. Ou o aranzel de vozes no amanhecer de pássaros.


Porto Alegre é um estado novo na imaginação. Desde as ruas Riachuelo e Corte Real da juventude numa esquina de ventos, junto à casa de janelas amarelas. Ou a Rua da Praia, o Centro, de rostos que se transmudavam, entre os cafés, a Alfândega dos livros e os jacarandás. Ou então as ruas de amigos como Erico Verissimo, ou a casa onde viveu Quintana, ou o Museu do pintor de gênio que foi Iberê Camargo, ou a Santa Cecília, onde residiu Moacyr Scliar, ou a Avenida Protásio Alves, do habitual restaurante Barranco, onde começava a noite e o jantar apaziguado. Ou o Theatro São Pedro de Eva Sopher e hoje com o dinâmico e lúcido Antônio Hohlfeldt.

Transito com os passos de estudante no pátio do Colégio do Rosário ou na PUC, onde fui aluno. E o somos eternamente. Além, no jardim, a estátua do reitor José Otão, imponente entre canteiros e flores. Ou a combinação de sortilégios na alameda do passado. Com tantos companheiros que se foram e poucos que vão restando. Ainda reconhecidos no abraço.

Mas a cidade que amamos não deixa de ser sempre nossa Aldeia, em que a memória se repete em cada espaço de alma e nunca se repete demasiada. Como à beira de uma fonte, ou numa pedra, onde podemos descansar a cabeça. E é a pedra de Jacó com sua levitação de Anjos.

Porto Alegre, igual à infância, não interpreta nada, nem precisa. Conheço-a de vista no coração, cidadão honorário das estrelas, não esqueço seu ruído, o ondular das árvores, a montanha de onde se vê o Guaíba, entre peixes e sinais, apalpando o céu.

E não há acaso na memória, onde o assombro é providência infinita. Porque Porto Alegre recupera o afeto que lhe devotamos, a cada reencontro. E todos os seus arrabaldes são iguais na mesma infância. Com a poesia sobre o inacabado dorso de sua história.

Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras - CARLOS NEJAR

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